Reportagem do debate 3

Por Alexandra Areia e Carlos Machado e Moura

No momento em que, depois de três números publicados em formato online, o J—A se preparava para retomar a edição regular impressa, este debate procurou gerar uma discussão sobre os formatos das publicações de arquitectura na actualidade, entre as novas possibilidades oferecidas pelo écran e a permanência do papel. Este encontro surge também precisamente três anos depois de um outro, realizado por ocasião do lançamento do número 250 e intitulado “J—A um quarto de milhar”, que reuniu membros das várias direcções do Jornal perante uma já então eminente passagem para edição exclusivamente digital.

 

Assim, a conversa veio questionar as alterações na forma como publicamos, lemos e acedemos à informação nos dias de hoje provocadas pela coexistência de media digitais e impressos e, também, pelo papel dos sites, blogs e redes sociais. Por outro lado, ambicionou interrogar o papel e a vocação do J—A – um jornal corporativo de uma ordem profissional com um importante legado ao nível da crítica e do pensamento em arquitectura no nosso país – nas duas dimensões complementares no exercício da arquitetura: a da reflexão teórico-crítica e a da prática disciplinar.

 

Paula Melâneo – editora principal do J—A para o triénio 2016-2019 – começou por enunciar as principais orientações do actual projecto editorial, inscrevendo-o no ethos jornalístico da série anterior, e por apresentar as condicionantes relativas ao orçamento disponível e as especificidades do formato digital. Interpelada sobre a diferente recepção dos media digitais e impressos, entre o potencial democrático e os efeitos do “consumo distraído” já discutido por Benjamin e Adorno, Magda Seifert – fundadora e responsável pela associação cultural, livraria e editora Circo de Ideias – sublinhou a diferente materialidade e, sobretudo, a mais cuidada edição dos formatos impressos face à dos conteúdos online, o que veio contrariar a morte do livro, há muito vaticinada.

 

Transpondo o debate para a imprensa generalizada, Pedro Bragança – investigador e um dos autores da página na internet “Truques da Imprensa Portuguesa” – explanou os principais motivos da crise do modelo de negócio da imprensa tradicional e sublinhou o tempo próprio diferente das publicações, entre o imediatismo do digital e o tempo longo da publicação em papel. Interrogou ainda a sustentabilidade dos modelos de negócio apoiados na publicidade, contrariando o mito instalado de que uma publicação impressa é mais dispendiosa do que uma edição online. Vítor Alves – investigador que tem conduzido um estudo sobre a história do J—A entre 1981-2015 – traçou uma evolução da revista e a vocação das várias séries, reflectindo sobre o carácter de excepcionalidade do J—A no panorama da imprensa arquitectónica das ordens profissionais e discutindo a pertinência da publicação de projectos perante a miríade de plataformas actualmente existentes.

 

Ana Vaz Milheiro – docente, investigadora e crítica de arquitectura do Público –, apoiando-se na sua longa experiência em duas séries do J—A (2000-05 e 2009-13) questionou a possibilidade de coadunar a produção de conhecimento original com a velocidade imposta pela disseminação digital. Estabelecendo uma diferença de fundo entre projectos editoriais digitais e impressos, distinguiu a opção pela mera disponibilização online de conteúdos impressos face à construção de um produto especificamente digital, com formatos e conteúdos próprios mais orientado para a leitura rápida. Identificou ainda uma progressiva sofisticação das publicações online perante uma tendência de redução de escala (e recursos) das edições impressas e a consequente proliferação de pequenas editoras.

 

 

 

 

A conversa prosseguiu por vários temas complementares. Esses vão desde o lugar e o potencial da imagem em movimento – numa altura em que o vídeo ganha terreno sobre a fotografia apesar de não ter talvez ainda conquistado a autonomia relativamente ao projecto que a escrita conseguiu alcançar – do papel desempenhado pelas plataformas digitais – na circulação de ideias, imagens e projectos mas também numa mediatização autopromocional e numa premiação com critérios populistas – até à função da crítica de arquitectura na actualidade e no campo de possibilidades para a construção de oposições. ◊

 

 

 

 

 

 

 

Reportagem do debate 2

Por Alexandra Areia

Intro

A organização do debate sobre as aceleradas transformações urbanas que o centro do Porto atravessa actualmente parte da convicção de que estas questões urgem ser amplamente endereçadas e discutidas, muito especialmente no seio da classe dos arquitectos. Contudo, este nunca poderia ser um debate estritamente disciplinar – não seria possível perceber o papel dos arquitectos no actual processo de regeneração urbana sem ouvir outros quadrantes envolvidos e ter consciência da ampla divergência de pontos de vista. Como se previa, o debate foi aceso, mas, entre muitos antagonismos e discordâncias, também se esclareceram posições e definiram-se alguns consensos. Percebeu-se que muitos dos fenómenos que hoje mais afectam a vivência do centro do Porto têm origem em deficiências e lacunas da própria legislação portuguesa, tornando assim urgente exercer mais pressão sobre o poder central – mas também se sentenciou uma certa falência das instituições públicas e uma cada vez maior perda da sua representatividade enquanto agentes reguladores da transformação das cidades. Falou-se na importância de uma cidadania activa e de uma participação alargada em sessões de discussão pública de planos e projectos – mas percebeu-se também que os mecanismos disponíveis estão longe de funcionar com eficácia e que as pessoas sentem que, mesmo participando, não são realmente ouvidas. Abordou-se a necessidades de avançar com algumas medidas concretas sobre as quais fosse possível passar rapidamente à acção – concluindo que o diagnóstico está longe de estar completo e que seriam precisos muitos mais debates para compreender o problema em toda a sua complexidade. E quanto ao papel dos arquitectos em tudo isto? O retrato começou com a efectiva falta de adesão da classe às sessões de discussão pública, passou pela sua desresponsabilização enquanto projectistas na preservação do património corrente não-classificado e terminou com a constatação da não-existência de uma dimensão pública da arquitectura – uma disciplina que se encontra cada vez mais “privatizada”.

 

 


 

 

 

 

Turismo

A primeira parte centrou-se na questão do turismo. Pedro Baganha, arquitecto e representante da Câmara Municipal do Porto, considera que há de facto um potencial problema com o turismo e que a Câmara o reconhece quando cria, por exemplo, um regulamento para o transporte turístico, um programa de aquisição de imóveis para habitação no centro da cidade ou um grupo de trabalho para a defesa do comércio tradicional. Mas diz também que há uma certa tendência para se exagerar os seus efeitos e que, mais do que um perigo, o turismo constitui uma oportunidade “que seríamos tolos em desperdiçar”. Francisco Rocha Antunes , economista e promotor imobiliário a viver há décadas no centro do Porto, num prédio em que agora metade dos apartamentos se destinam a Airbnb – “o que não tem assim tanta graça” –, aponta como principal problema do turismo o efeito de monoculturização que produz no centro da cidade, sugerindo que este deveria ser combatido colocando a prioridade no emprego e na habitação permanente. Para Gui Castro Felga , arquitecta e activista, o que mais importa agora é discutir regulação. Coloca a essência do problema do turismo numa questão de escala, referindo-se ao turismo de massas como algo que tem tendência a consumir-se a si próprio, e questiona a capacidade da Câmara em regular o Airbnb – à semelhança de cidades como Nova Iorque, Berlim ou Barcelona – ou a aplicação dos fundos europeus no financiamento de hotéis privados. No público alguém dá o exemplo de Paris por ter uma política urbana que consegue regular com eficácia o coeficiente de ocupação do solo, impondo que pelo menos 70% de cada edifício seja destinado a uso habitacional permanente, ao qual Pedro Baganha contradiz dizendo que o Porto “ainda não é uma cidade-estado” e que a Câmara não tem meios legais para regular esse uso – o Airbnb utiliza uma licença de habitação e portanto qualquer pessoa com uma casa pode alugar através desta plataforma.

 

 


 

 

 

 

Arquitectos

Na segunda parte, o foco do debate cingiu-se a questões mais próximas à actuação dos arquitectos, centrando-se fundamentalmente no tema do património e reabilitação do edificado existente. O projecto para o quarteirão D. João I foi naturalmente invocado, não só o debate decorreu ao lado do enorme vazio provocado pelas demolições, mas estava também presente o responsável pelo projecto no painel de oradores: Francisco Rocha Antunes. Este, desde logo tranquilizando Gui Castro Felga de que aí não será construída nenhuma Primark de 6000m2, garantiu que não foram ali violadas quaisquer regras. Jorge Garcia Pereira , arquitecto, falou da dificuldade que representa, por exemplo, reabilitar uma típica casa séc. XIX do Porto, que, com a sua largura habitual de 6m (medida máxima possível para as vigas pudessem ser transportadas de Inglaterra, de onde eram originárias), só permite duas situações: a criação de t-zeros – contribuído para a t-zerização da cidade e consequente tendência para aluguer temporário ou a demolição total do interior para criação de uma nova caixa de escadas que permitiria desenvolver tipologias maiores – o chamado “fachadismo”. Maria Ramalho , arqueóloga e representante do ICOMOS (Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), um pouco cansada do discurso de que a cidade sempre se fez em profunda transformação, diz que a sua organização não é fundamentalista e que apenas pretende tentar preservar um pouco daquilo que foram outras formas de viver e de construir – “até porque há com certeza público que gosta”. Leu todos os documentos relativos à intervenção de D. João I e questiona porque é que, em todo aquele conjunto edificado, apenas foi considerado como tendo algum valor patrimonial uma “fina linha da fachada”. Nuno Valentim , arquitecto com vasta experiência em reabilitação, alertou depois para um aspecto importantíssimo: o próprio quadro legal português convida ao “fachadismo”, referindo o “bastante esquizofrénico” decreto de lei 53/14 (RERU - Regime Excepcional para a Reabilitação Urbana) que isenta os edifícios de habitação de quase tudo, inclusivamente da primeira monitorização estrutural do edifício – “um dia vamos pagar caríssimo por reabilitações que estão a ser feitas com o ‘pêlo do cão’, sem qualidade nenhuma e perigosíssimas”.

 

 


 

 

 

 

Participação

A terceira e última parte do debate foi o espaço aberto à participação do público e foi também sobre os modos de participação pública na discussão da cidade e da arquitectura que mais se falou. Maria Ramalho explica que o ICOMOS participa em diversas sessões de discussão pública e que inclusive se dedica, em regime pro bono, a produzir documentação específica para esse efeito. Denuncia uma certa sensação de estar sempre a “falar para o boneco” e acrescenta que as próprias instituições públicas, com longa tradição de gestão de áreas patrimoniais, estão cada vez mais a perder a sua força – facto que poderá ser ainda mais agravado por uma “proposta lamentável” de transição destes gabinetes especializados para o domínio das CCDRs. Pedro Baganha acentua a diferença entre discussão pública e participação pública, porque, se a nível de qualidade do debate, considera que foram bem sucedidas as nove sessões promovidas pela Câmara para a discussão pública do novo PDM, o mesmo não se verificou ao nível do número de pessoas que participaram – número esse que “envergonha a classe dos arquitectos”. Por fim, Pedro Bismarck , arquitecto e investigador, na sua última intervenção, que serviu de fecho ao debate, denuncia o facto de os arquitectos terem desaparecido do debate cívico, focando-se apenas no puro exercício privado, em parte muito fomentado pelas próprias escolas – afirmação que corrobora a ausência notada por Pedro Baganha aquando dos encontros públicos para debate do PDM organizados pela CMP. 

 

 


 

Organização:
Jornal Arquitectos (J—A)
Ordem dos Arquitectos
Curadoria:
Alexandra Areia, Carlos Machado e Moura, Pedro Jordão
Apoio:

 

 

 

 

Reportagem do debate 1

Por Fabrícia Valente

Após a festa: novos projectos é o primeiro debate organizado pela actual equipa redactorial do J—A na sequência da edição dedicada ao tema Representações Nacionais. Depois de um número focado em três grandes exposições internacionais – Bienal de Arquitectura de Veneza, Trienal de Milão e a exposição Os Universalistas da Delegação de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian – este debate é o momento de especulação sobre que consequências mais ou menos directas podem estas exposições internacionais ter no trabalho dos arquitectos. Falar de debate e crítica de arquitectura na actualidade é falar também de espaços de encontros expositivos pontuais, mas sobretudo dos que têm periocidades anunciadas, caso de bienais e trienais internacionais. Após a festa questiona se há realmente uma visibilidade resultante desses eventos e se os profissionais recebem encomenda de projectos como consequência dessa visibilidade? Há uma sucessão de convites – e de que tipo –  após a participação? Existe uma leitura linear do antes e do depois da representação no trabalho dos representados? A resposta não é simples e muitas vezes é preciso algum distanciamento temporal para entender as suas reais articulações.

Com experiências muito distintas, procurando uma pluralidade de respostas, o J—A juntou cinco arquitectos/ateliers: Célia Gomes, Pedro Reis, Fala Atelier, Paulo Moreira e Artéria Arquitectura, moderados por Inês Moreira, para apresentarem pontos de vista particulares, desde a ideia de percurso de atelier, ao foco em projectos de representações em que participaram:

 

 

 

  

Célia Gomes 

Formada pela FAUP, falou da importância que teve na sua formação a experiência de erasmus na TUDelf, na Holanda. Se em Portugal percebeu a importância do desenho como ferramenta de trabalho, foi na Holanda que descobriu o poder da imagem como registo de pensamento. Da sua junção/colagem surgiram novas formas não só de representação mas sobretudo de exploração do acto de projectar e de afirmação de uma linguagem do atelier, desde cedo traduzida em exposições como “Desenho Projecto de Desenho” com curadoria de Alberto Carneiro e Joaquim Moreno, em 2002. Nos anos 90 e início dos anos 2000, a lógica de concursos estava implementada, surgindo a necessidade de formar o atelier de santos surgiu, depois de vários concursos ganhos para os Açores e com processos de obra em curso. Em 2003, a convite da Ordem dos Arquitectos, realizaram uma exposição que sintetizava 5 anos de actividade, mostrando a lógica de trabalho implementada numa visualidade seccionada por imagens. No mesmo ano surgiu o convite da experimentadesign para integrarem os dez ateliers que pensaram no tema de um silo automóvel. Desta edição resultou uma exposição itinerante (no Voyager, um camião que chegava a diferentes cidades internacionais, apresentando o trabalho de vários autores em espaço público) com a curadoria de Pedro Gadanho. Também com Pedro Gadanho, participaram em Metaflux a representação portuguesa na Bienal de Veneza em 2004. A partir daí surgiram prémios, outras exposições (Bienal Ibero-Americana; Portugal Now em Nova Iorque, etc.), conferências internacionais, entrevistas e publicações. Célia Gomes afirma que no momento desta mediatização do atelier, não questionavam a razão do ritmo de trabalhos. Este debate coloca a questão quando já é possível um olhar distanciado e, se até ao momento destas representações a actividade do atelier se devia ao esforço da participação em concursos, a partir desse momento passam a ter acesso a concursos por convite – e pagos – com novas condições para a prática. Após as exposições, o atelier de santos passou a trabalhar com outros recursos e outras escalas, dando-se uma mudança da amplitude dos projectos. Esta mudança esteve também na origem da associação do atelier a outros arquitectos e artistas, em parcerias para trabalhos específicos. Destas parcerias surgiu também o convite para a docência, experiência que a Célia Gomes mantém até hoje.

 


 

 

 

 

Pedro Reis 

A pedido do J—A, Pedro Reis fez a apresentação de um projecto específico que desenvolveu como participação na Bienal de São Paulo de 2009, com curadoria de Manuel Graça Dias. A exposição Cinco Áfricas / Cinco Escolas previa mostrar 5 novos projectos, de autores portugueses, para escolas em 5 países africanos da CPLP, que teriam como consequência a sua construção. Pedro Reis projectou para São Tomé e Príncipe, depois de já ter tido a experiência de projectar para os trópicos em Timor. Com poucos meios e muitas incertezas sobre o local de construção, houve o apoio das missões Portuguesas no contexto africano para a investigação durante uma semana de viagem ao território escolhido.

Foi fundamental perceber as condicionantes da natureza e como funcionavam os sistemas construtivos, os materiais e as tecnologias locais, para poder simplificar todo o processo de construção da escola. Trabalhar neste território era também olhar para a arquitectura colonial para entender como durante anos se lidou com processos de ventilação, coberturas, construção de paredes… Santa Catarina foi o local escolhido, em conjunto com o Ministério da Educação, para receber este equipamento e servir uma comunidade de pescadores onde as crianças tinham de fazer vários quilómetros a pé para chegarem à escola, num projecto que pretendia envolver a própria comunidade no processo construtivo. Este exercício de arquitectura tinha o grande desafio de conseguir criar, em termos geométricos e formais, a modelação certa, para utilizar correctamente um sistema construtivo, e seria constantemente afinado pelas condições de obra.

Posteriormente a este projecto, Pedro Reis teve a encomenda de uma habitação para a Nicarágua, país com um clima semelhante ao de São Tomé. O processo da escola mostrou-se uma enorme aprendizagem para este novo projecto. Esta apresentação focou a participação numa representação internacional, numa influência directa e real na prática profissional, desde uma experiência inicial no contexto de Timor que se reflecte na proposta para São Tomé e que, por sua vez, traria novas informações para a especificidade do trabalho na Nicarágua. 

 


 

 

 

  

Fala Atelier

Este jovem atelier viu o grande impulso na divulgação do seu trabalho durante a Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2013. A experiência que os elementos fundadores do atelier tiveram em habitar na Nakagin Capsule Tower, de Kisho Kurokawa, em Tóquio, registando a sua vivência fotograficamente e realizando entrevistas a outros moradores. Esses registos levaram os Fala Atelier a fazer o artigo mais lido de sempre na Domus. Chegaram ao conhecimento de Beatrice Galilee, curadora da Trienal de Lisboa de 2013, que os convidaria para expor em Lisboa esses registos. A exposição viajou por muitos países e continua em itinerância até hoje. A partir desta exposição surgiram convites – sempre por parte de estrangeiros – para conferências e outros projectos expositivos em contexto internacional. Só recentemente começaram a ser convidados por universidades portuguesas, mas sobretudo em contextos internacionais, participando em mesas redondas e conferências. São muitas as publicações que mencionaram os seus processos de trabalho, do Jornal Arquitectos, a partir de um texto de Diogo Seixas Lopes, ao MIT. A velocidade dos convites deixa-os sem poder de resposta a todas as solicitações. Filhos da era digital, cresceram em ping pong de reacções cibernéticas simultâneas de diferentes partes do mundo, e foi neste contexto que foram convidados para leccionarem projecto em Bratislava e também abordados para venderem as suas imagens em plataformas digitais. De “festa em festa”, em efeito bola de neve, notam que as caras se vão repetindo nos eventos internacionais. 

 


 

 

 

  

Paulo Moreira

“Após a festa: mais festa” foi a expressão de Paulo Moreira ironizando sobre o tema deste debate e face ao efeito bola de neve que o Fala Atelier também mencionou, sobre a ideia de que uma exposição leva a outra. Assim, salientou a necessidade de actualmente se questionar a prática da arquitectura através das bienais e trienais, levando muitos arquitectos a trabalharem em função ou para essas participações. Paulo Moreira tem um atelier onde desenvolve com colaboradores alguns projectos mais “convencionais”, mas paralelamente desenvolve projectos de investigação. São estes últimos que estão mais relacionados com a sua presença em exposições, que encara como laboratórios de experimentação, num pensamento crítico multidisciplinar. Estas participações tanto estão relacionadas com eventos de grande escala, mais institucionais, como vão ao encontro de exposições ou produções independentes de circuitos mais underground da arquitectura. Como exemplo, aponta as exposições da sua investigação sobre Luanda, que esteve na base do seu doutoramento, e da investigação sobre fenómenos migratórios dos portugueses em Angola e os seus impactos. Este último trabalho, chamado “Ilha dos Prazeres”, está actualmente exposto na Trienal de Oslo. De exposições itinerantes pelo mundo, debatendo temas da arquitectura informal, vão resultando alguns projectos de arquitectura mais convencionais, como mudança de paradigma de formalização do trabalho de atelier. Convidado por Pedro Campos Costa a participar na representação Portuguesa da Bienal de Veneza de 2014, no jornal Homeland, Paulo Moreira deu início um estudo em Monte Xisto (Matosinhos) sobre uma zona onde haviam acontecido derrocadas em 2006, e sem resolução consequente até àquela data. As ideias propostas para a Bienal de Veneza deram origem a uma encomenda da Câmara Municipal de Matosinhos, com adjudicação de um projecto de reformulação urbana para essa área de estudo. 

 


 

 

 

  

Artéria Arquitectura

O trabalho deste atelier chegou a Beatrice Galilee, curadora da Trienal de Arquitectura de Lisboa em 2013, que o convidou para participar na mais internacional e mais questionada edição da Trienal. Desenvolveram Rés-do-Chão, um projecto de curadoria que consistia na ocupação de uma loja na Rua dos Douradores que pretendia trespassar as barreiras de uma parede/montra e gerar discurso arquitectónico a partir do convívio e diálogo directo com a população, colocando todas as vozes no mesmo plano. Convidadas também por Pedro Campos Costa para a Bienal de Veneza de 2014 para pensarem sobre reabilitação em Lisboa, o atelier respondeu com um projecto elaborado para os últimos pisos da cidade de Lisboa, pensados como um território complexo, de problemas de coberturas e falta de orçamentos para as reabilitar. Lisbon Skyline Operation foi pensado para a Bienal mas necessitou de complexo levantamento sobre este layer da cidade, para o qual houve a participação da Câmara Municipal, através de um programa de apoio, e que resulta num estudo que está disponível online. Deste trabalho há casos pontuais de concretização e o atelier neste momento está com o projecto de reabilitação de uma cobertura no Bairro Azul. Esta é uma resposta directa ao que o atelier “recebe depois da festa”, numa ampliação do campo de acção da arquitectura. 

Depois da participação da Trienal de 2013 surgiu o convite para darem aulas na Suécia e em 2016 participam também na Trienal de Arquitectura de Lisboa, a convite de Diogo Seixas Lopes, para relacionarem arquitectura nórdica com arquitectura portuguesa. Num trabalho quase paralelo às exposições da Trienal, desenvolveram um workshop entre escolas de arquitectura nórdicas e portuguesas. Neste caso, uma representação leva a um trabalho que por sua vez cria outro convite para nova representação. 

 

 

Considerações Finais

A diversidade de práticas demonstrou também consequências distintas nos processos expositivos e nos resultados das participações em exposições internacionais. Para os ateliers trazem-se não só a concretização de projectos mas também novos desafios de investigação e de processos de trabalho, desconstruindo metodologias clássicas de aprendizagem da própria arquitectura. Inês Moreira falou-nos do crescimento dos arquitectos pela prática de construção de obra mas também por todas estas experiências “desviantes” – ou não – dos seus percursos, provocando os oradores a questionarem o seu posicionamento dentro da prática da arquitectura. Os discursos afirmaram a importância da bipolaridade da arquitectura entre prática e teoria, e evidenciaram o papel das exposições numa ambicionada visibilidade internacional, mas demonstrando alguma dificuldade no entendimento do que é ou não uma origem e uma consequência. Será por ventura nessa fluidez de acontecimentos que se terá o real ganho proporcionando-se outra escala à “festa”, com velocidades distintas consoante as diferentes gerações aqui representadas, numa mediatização da arquitectura a partir de uma visualidade analógica versus o actual constante fornecimento de imagens e informação de conteúdos de especificidade disciplinar mas que chegam com facilitismo a todos. Os eventos de representação são cada vez mais traduzidos em experiências que fogem do que até então era entendido como uma exposição, uma obra ou um workshop e são traduzidos muitas vezes em projectos alternativos, onde as representações têm também o papel de questionar essas fronteiras, provocando a perda de noção de todos os participantes e acções antes, durante e após a festa. ◊