06 / 2016

Arquivo. Arquitectura. Território.

A propósito das exposições, Arquitectura em Concurso: percurso crítico pela Modernidade portuguesa e Inquéritos ao Território. Paisagem e Povoamento

Por Lucinda Fonseca Correia

Decorreram simultaneamente, em Lisboa, as exposições Arquitectura em Concurso: percurso crítico pela Modernidade portuguesa e Inquéritos ao Território: Paisagem e Povoamento 1. A primeira exposição lança uma grelha de análise diacrónica dos concursos do último século em Portugal, visível na evolução das temáticas propostas: representação, instituição, espaço público, cultura, património, paisagem, lazer, infraestrutura, educação, profissão, habitação, cidade e território. O concurso é aqui “exposto”, por um lado, como revelador de processos que pretendem dar respostas a questões concretas, resultando em tomadas ou ausências de decisão, avanços e recuos com repercussões sociais, económicas e políticas e, por outro lado, como fundador duma plataforma crítica daquelas temáticas, através de sucessivos debates públicos. A segunda exposição apresenta arquitectos, artistas, etnólogos, fotógrafos, geógrafos e músicos que utilizam a fotografia, o filme e os registos gráficos herdados dos estudos etnográficos e da antropologia cultural, permitindo-nos construir um percurso por vários aspectos do país como território, do século XIX até hoje, enquanto narrativa ficcionada por quem vê. Esse território, apresentado como “um lugar de indagação e de reflexão” 2 convida-nos à sua releitura, através do confronto da fotografia e do filme com imagens e documentos impressos, que nesta exposição em concreto se articulam com objectos da colecção permanente do Museu Nacional de Etnologia.

 

 

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Embora num primeiro olhar estejam nas antípodas uma da outra, Arquitectura em Concurso 3 e Inquéritos ao Território 4 são duas visões críticas sobre a arquitectura na sua relação com o território. Consideramos que, subjacente às duas exposições, utilizando um conceito de Foucault, está a ideia de arquivo, não como contentor estanque e estático, mas como “sistema geral [dinâmico] da formação e da transformação dos enunciados5, que estabelece um domínio onde se reinscrevem, articulam e manipulam os conteúdos no espaço e no tempo. Entendamos que estes enunciados, podem ser repetidos em cada momento histórico e que, em cada acto de repetição, ocorrem as “actualizações” do seu sentido e da sua própria identidade. Em cada novo “campo de utilização6 ou “superfície de inscrição” 7, actualizam-se pois as relações entre o passado e o futuro, revelando-se um fio condutor inscrito nas duas espacialidades inauguradas através do acto expositivo. A montante, temos o inquérito, instrumento fundamental de identificação e caracterização dos problemas do território, através do qual podemos imaginar e reconstituir o país real. A jusante, o concurso, mecanismo criterioso de selecção da proposta mais adequada, como uma resposta possível da arquitectura aos problemas plasmados nas premissas do programa. O inquérito indaga, descobre e manifesta. O concurso responde, propõe e intervém. Ambos descrevem um campo conceptual onde se perpetua a sua condição indagadora e congregadora de perspectivas múltiplas, às vezes até mesmo contraditórias; ambos sublinham uma continuidade interpretativa, para além do seu suporte físico 8através de reflexões teóricas reunidas em duas publicações.

É consabido que a Modernidade, na continuidade do pensamento que está na sua origem, vem emprestar um carácter diferente ao espaço, engendrando um novo Homem que afeiçoa a Natureza aos seus interesses e a transforma a partir das suas próprias visões do mundo. A ideia de Colonialismo, tal como hoje o entendemos, por exemplo, e apenas para considerar um aspecto polémico da questão, alicerça-se numa forma de economia (europeia) que o Renascimento vai inaugurar, ousando propôr novas urbanidades, que, de algum modo, dão um novo carácter às acções da arquitectura e do urbanismo: o de racionalizações sistematicamente pragmáticas. Estas atribuíram ao arquitecto o papel de mediador: conceptualizando e respondendo ao interesse público e às necessidades da sociedade num dado momento histórico com um “projecto”, de um lado, orientando e garantindo que a “obra” é a correcta manifestação do programa que esta deverá cumprir, do outro. Precisamente por isto e para além das dimensões já expostas, emerge uma terceira dimensão que se constitui no cruzamento da genealogia dos concursos com a identidade do território construída a partir dos inquéritos – o desenho do concurso. Esta terceira dimensão, onde se lançam as premissas para a encomenda pública, deve partir da relevância daquilo que o concurso questiona e da lógica das problemáticas às quais este pretende responder. Dito de outro modo, seria concebível que os arquitectos fossem confrontados com “concursos de programas” onde, a partir do mapeamento, da identificação e da sistematização de problemas concretos se justificariam os “concursos de propostas”. Aliás, os “concursos de propostas” deveriam legitimar-se através da sistematização da Big Data resultante de inquéritos ao país real.

 

 

Arquitectura em Concurso: percurso crítico pela Modernidade portuguesa, Luís Santiago Baptista (Coord.)
Dafne Editora, Porto, 2016
Arquitectura em Concurso: percurso crítico pela Modernidade portuguesa, Luís Santiago Baptista (Coord.)
Dafne Editora, Porto, 2016
Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território]: Paisagem e Povoamento, Nuno Faria (Coord.)
A Oficina, CIPRL/ Sistema Solar (Documenta), Maia, 2016
Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território]: Paisagem e Povoamento, Nuno Faria (Coord.)
A Oficina, CIPRL/ Sistema Solar (Documenta), Maia, 2016

A ambiguidade da fotografia de arquitectura enquanto prática artística

Por Susana Ventura

A exposição Ficção e Fabricação: Fotografia de Arquitectura após a Revolução Digital, actualmente no MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, com a curadoria de Pedro Gadanho e Sérgio Fazenda Rodrigues, apresenta-nos, sobretudo, a compreensão de um conjunto de obras de fotógrafos e artistas visuais seminais (Jeff Wall, Thomas Demand, Andreas Gursky, Thomas Ruff, Wolfgang Tillmans, James Welling, entre outros) pelo olhar da arquitectura, que exerce, na exposição, um discurso unificador das diferenças entre obras,…

A Confiança perdida é difícil de recuperar

Por Nuno Coelho

O J—A convidou Nuno Coelho (www.nunocoelho.net) para nos falar da Saboaria e Perfumaria Confiança em Braga, do processo de compra do edifício da fábrica pelo município em 2011 e do destino, ainda incerto, da sua ocupação na actualidade. Nuno Coelho é Designer de Comunicação e tem dedicado parte da sua investigação à história desta Fábrica. É autor da tese de doutoramento “O Design de Embalagem em Portugal no Século XX – Do Funcional ao Simbólico – O Estudo de Caso da Saboaria e Perfumaria Confiança”…

Habitação Acessível: que estratégia adoptar partindo de outras experiências europeias

Por Ricardo Prata

A adopção de medidas na área da Habitação não reúne consensos nos diferentes quadrantes da sociedade, mesmo considerando-se o direito ao seu usufruto uma base de partida estabilizada com o advento dos regimes democráticos na Europa.

Ivrea e Olivetti

Por João Rocha*

Quando Le Corbusier visitou a cidade de Ivrea em Itália pela segunda vez, em 1936, comentou que a avenida Guglielmo Jervis, via estruturante da cidade, era la strada più bella del mondo. O plano Director da autoria dos arquitectos Luigi Fini e Gino Pollini, acabara de ser publicado na revista Casabella, e Le Corbusier em contacto com Adriano Olivetti, não deixou de expressar o arrojo e visão do desenho e da arquitectura propostas para a nova cidade industrial Olivetti.

Eco-visionários

Por Paula Melâneo

Após Utopia/Distopia, o MAAT propõe uma segunda exposição-manifesto, Eco-Visionários: Arte, Arquitetura após o Antropoceno, para ver até 8 de Outubro.

Este projecto convoca mais de 35 autores de diferentes áreas, artistas e arquitectos a contribuir para a reflexão sobre o Antropoceno — expressão popularizada neste século para definir a possibilidade de uma nova época geológica, marcada pela acção humana no ambiente natural terrestre —, na contemporaneidade e no que se seguirá.

Contributo para a discussão pública do PNPOT

Por Tomás Reis

Na Discussão Pública do Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT), procurei dar o meu contributo. Este programa, além de definir as principais linhas orientadoras do Ordenamento do Território em Portugal durante a próxima década, vai certamente influenciar o Plano Nacional de Investimentos e o próximo Quadro Comunitário de Apoio, Portugal 2030.

Mulheres arquitectas e arquitectura: e se trocássemos umas ideias sobre o assunto?

Por Patrícia Santos Pedrosa

Durante sete meses, de Setembro 2017 a Março 2018, a associação Mulheres na Arquitectura (MA), em conjunto com a Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos, organizou o que esperamos que seja o primeiro ciclo, de vários, das Conversas Arquitectas: Modo(s) de (R)exitir. Como era afirmado no texto de apresentação, apesar de as mulheres, em 2017, representarem cerca de 44% de inscrições na Ordem dos Arquitectos não surgem, tanto para o público em geral como entre pares, com uma visibilidade equivalente. O objectivo primeiro do ciclo de…

Sobre Nadir.

Por João Cepeda

À margem do Tâmega plantado, um corpo branco estende-se à beira-rio, na cidade (outrora) romana de Chaves.

Ao longe, um volume de um único piso, em betão branco aparente, repousa subtilmente sobre um conjunto de lâminas que o erguem do chão, refugiando-se das águas que, de quando em vez, ousam inundar a zona ribeirinha.

Somos encaminhados por uma ligeira rampa em granito, à cota alta.

O percurso – que estabelece a transição entre o centro histórico e as margens do rio, enaltecendo-o – faz-se (quase) sempre de olhos postos…

Sobre “o Público”* no Espaço

Por Wim Cuyvers

Pretendemos, continuamente, justapor o espaço público ao espaço privado numa oposição simples: queremos afirmar que o espaço público é o oposto do espaço privado e, de forma decisiva, formular uma definição de espaço público, por um lado, e de espaço privado, por outro. Mas tanto o espaço público puro como o espaço privado puro não existem; não podemos sequer esperar poder imaginar, inventar ou projectar espaço privado ou público puros. O espaço público puro (e, de facto, o espaço…

O Devir-Forma da Matéria

Por Susana Ventura

O livro Architectonica Percepta: Texts and Images 1989-2015, de Paulo Providência com fotografias de Alberto Plácido, foi publicado no final do ano de 2016 pela Park Books, uma editora Suíça dedicada a livros de arquitectura e áreas que lhe são próximas. Providência é arquitecto e Professor de arquitectura na Universidade de Coimbra, cuja obra está profundamente enraizada numa investigação persistente que ultrapassa a rígida nomenclatura da disciplina de arquitectura, procurando incorporar uma reflexão introspectiva a partir…

Street Art, Sweet Art.*

Por Pedro Bandeira

Há dois teóricos que reivindicam para si o mérito da atenção dedicada à relação entre a criatividade e a cidade — o primeiro é Charles Landry, o segundo é Richard Florida. Landry reclama ser o inventor do conceito Creative City uma epifania que teve no final da década de 80 e que, segundo o próprio, concentra-se “no modo como as cidades podem criar condições que permitam às pessoas e às organizações pensar, planear e agir com imaginação resolvendo problemas e desenvolvendo oportunidades”.…

A panificadora de Nadir Afonso

Por Catarina Ribeiro e Vitório Leite

“Aos olhos de um indivíduo, de uma família, ou até de uma dinastia, uma cidade, uma rua, uma casa, parecem inalteráveis, inacessíveis ao tempo, aos acidentes da vida humana, a tal ponto que se julga poder contrapor e opor a fragilidade da nossa condição à invulnerabilidade da pedra.”

Media, metodologia e arquitectura: MEDIATÉKHTON

Por Jorge Duarte de Sá

Os media refletem hoje uma dinâmica indiscutível em muitos campos das competências e das relações humanas, abrangendo aspectos sociais, económicos, culturais e mesmo espirituais, tornando-se assim “extensões” do próprio ser humano (McLuhan, 2008). A Arquitectura revela uma identidade e um pensamento na sua postura formal e temporal face à realidade; esteve desde sempre associada a um paralelismo entre estrutura e conceptualização, estética e extra estética, funcionalismo e ornamento. No entanto,…

Sobre o ensino da Arquitectura e o futuro profissional do Arquitecto

Por José Nuno Beirão

Num tempo em que cerca de quatro em cada mil habitantes em Portugal são arquitectos, para que serve um curso de Arquitectura?

Quais são os outputs profissionais possíveis (e alternativos às saídas convencionais) que o ensino da Arquitectura poderá promover?

Neste artigo argumenta-se que a formação do Arquitecto não serve essencialmente para a tradicional produção da Arquitectura, mas que possui a essência da formação necessária às profissões do futuro (aquelas…

Media & Arquitetura

Por Nelson Augusto

Acentuando a análise numa relação distópica, invoquemos os extremos para uma clara compreensão. A divulgação controlada da obra de Luis Barragán revela a importância desse compromisso. Arquitecto reconhecido pelo seu silêncio eclético tomou a decisão de controlar os moldes em que a projecção da sua obra deveria ser realizada. A delicadeza desta inquietação gerou um enorme interesse, muitas vezes fantasiado, tanto em torno do autor como da sua obra. Num outro espectro, Zaha Hadid encontrou…

Que vai ser de nós?

Por Rui Campos Matos

A grande novidade do incêndio que, este Verão, atingiu a Madeira, não foram os danos causados (em 2012 a devastação também foi grande) mas sim o facto de as chamas terem ameaçado o antigo Funchal de intramuros. Por algumas horas a baixa da cidade viu-se envolvida numa massa irrespirável de fumo que semeou o pânico entre a população.

Reportagem de Resposta Rápida sobre a Trienal de Arquitectura de Oslo

Por Inês Moreira

A Trienal de Arquitectura de Oslo (OAT) inaugurou no início de Setembro trazendo a Oslo uma comunidade internacionalmente mobilizada de profissionais, pensadores e académicos da arquitectura. Tendo vencido a open call curatorial, Luís Alexandre Casanovas Blanco, Ignacio G. Galán, Carlos Mínguez Carrasco, Alejandra Navarrete Llopis e Marina Otero Verzier reúnem na After Belonging Agency para analisar e expor o tema curatorial proposto: After Belonging – the objects, spaces and territories of the ways we stay in transit (Depois da Pertença – os objectos, espaços…

De La Ville à la Villa – Chandigarh Revisited

Por Marta Jecu

As pessoas podem sentar-se de uma forma bela também numa pedra...

Pó, condições climáticas, silêncio e som, ferrugem e ar são para Jonathan Hill ausências de matéria percepcionadas que, no entanto, se constituem fisicamente como arquitectura. No seu fascinante livro Immaterial Architecture representa este modelo de uma arquitectura que nasce do imaterial, contra a casa modernista que considera consistente, autónoma, sem desperdício. Transparência e luz, que personificam o modernismo, são para Hill uma camuflagem…

Uma Anatomia do Livro de Arquitectura

Por Inês Moreira

Uma Anatomia do Livro de Arquitectura é uma nova publicação de André Tavares que traz uma leitura aprofundada ao pensamento, práticas e labores por trás da publicação de livros de arquitectura, desde o período que antecede a invenção da prensa industrial e o efeito massivo da invenção de Johannes Gutenberg, à abordagem moderna à edição na área de arquitectura. Abordar o nascimento e vida da tradição disciplinar da produção de livros de arquitectura é obrigatoriamente…

XXL

Por Pedro Bandeira

Em 2004 fui convidado por Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira a participar na exposição Metaflux: duas gerações na arquitectura portuguesa recente – a representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza. Confortavelmente à margem da “geração X” ou “geração Y”, integrei o grupo de artistas e arquitectos (Augusto Alves da Silva, Didier Fiuza Faustino, Nuno Cera + Diogo Seixas Lopes e Rui Toscano), concebendo uma instalação específica para o evento – o “Projecto Romântico”.

Reporting from the Eastern borders

Por Inês Moreira

Respondendo ao tema geral da Bienal de Veneza de Arquitectura – Reporting from the Front – um conjunto interessante de pavilhões de países do (novo) Leste Europeu explora, radicalmente, questões específicas das suas nacionalidades, arquitectura e território dando-lhes visibilidade e, talvez, resolução internacional, enquanto arriscam um novo entendimento e abordagem ao potencial de participação de pequenos países no gigante evento internacional que é Veneza.

Os Vizinhos

Por Alexandra Areia

A Europa – e os tremendos desafios que hoje enfrenta – é um tema que, mesmo indirectamente, está sempre subjacente a Neighbourhood: Where Alvaro meets Aldo, a representação oficial portuguesa na Bienal de Arquitectura de Veneza 2016, comissariada por Nuno Grande e Roberto Cresmacoli. A questão da Europa torna-se particularmente evidente em “Vizinhos”, a série de filmes documentais que acompanha a representação, realizada pela jornalista Cândida Pinto...

Arquitectura Re(a)presentada no trabalho de FG+SG

Por Fabrícia Valente

Falar de representação em Arquitectura pode conduzir-nos à leitura dos modelos institucionalizados que periodicamente expõem e debatem os diferentes contextos da disciplina, como são exemplo as grandes bienais internacionais, que dão lugar a espaços expositivos que também lançam a questão de como representar Arquitectura. Não havendo a possibilidade de ler a Arquitectura através da vivência dos espaços construídos é, de facto, a partir de documentos que conhecemos as suas obras.

Redacção de Crónicas para o J—A

Crónicas é o espaço em que o J—A publica breves opiniões e reflexões críticas sobre temas actuais relacionados com a arquitectura a sua relação alargada com a sociedade. Seleccionaremos contributos entre as 500/800 palavras que podem ser ilustrados. Se pretender contribuir para esta secção, envie-nos uma breve proposta do tema a abordar para ja@ordemdosarquitectos.pt