OPINIÃO

Uma opinião sobre as seções regionais nos 20 anos da Ordem dos Arquitectos

Por Leonor Cintra Gomes

Arquitecta *

 

Boletim 183, Abril 2008
Por Silvadesigners
Boletim 183, Abril 2008
Por Silvadesigners

 

 

Há 20 anos

1998 foi um ano rico em acontecimentos para Portugal. Para além de ter sido criada a Ordem dos Arquitectos, realizou-se a Expo’98 e José Saramago recebeu o Prémio Nobel da Literatura.

Foi o ano em que se publicou a primeira Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/98) e em que o Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) iniciou a sua atividade, na sequência da “Conferência do Rio”.

Foi também o ano em que se realizaram dois referendos: o primeiro, em junho, sobre a despenalização do aborto, e outro, em novembro, sobre a regionalização em Portugal. O tema do aborto inspirou Paula Rego que, nesse ano também, criou os cenários de “Pra lá e Pra cá” do Ballet Gulbenkian. O ano em que Teresa Villaverde realizou “Os Mutantes” e Paulo Rocha “Rio de Ouro”, ambos filmes sobre o “viver português”.

Ocorreu também a criação do Google, o lançamento do Smart Fortwo e a abertura da primeira loja FNAC em Lisboa, factos que tiveram influência sobretudo na vida urbana.

Em Lisboa, para além da realização da Expo’98 e de todas as infraestruturas estruturantes necessárias ao seu funcionamento (Ponte Vasco da Gama, Estação Oriente, expansão da linha de metro, etc.), abre no Cais da Pedra/Santa Apolónia o Lux-Frágil. Foi um tempo de encontros, de reunião, de debates e de fazer reviver a zona oriental da cidade. As construções provisórias e definitivas, na área da exposição mundial e envolvente, a resolução das infraestruturas básicas, o tratamento do espaço público, o mobiliário urbano, a sinalética ou a relação com a cidade existente foram temas de muitas conversas informais, mas também de inesquecíveis artigos em jornais, como n’O Independente, refletindo posições extremadas sobre as opções tidas. A Arquitetura e a construção da cidade são temas públicos. 

Surgem novos cursos, como o do Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa. Foi em 1998 que Victor Figueiredo recebeu o Prémio Secil, pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, e Álvaro Siza Vieira recebeu a medalha Alvar Aalto. 

E foi neste contexto que a Associação dos Arquitectos Portugueses (AAP) deu lugar à Ordem dos Arquitectos (OA).

Importará este sucinto enquadramento, não só para permitir lembrar a situação à época mas também para avaliar das inúmeras alterações havidas nestes últimos 20 anos.

 

Olhar o papel da OA

Descrever o papel da OA nestes últimos 20 anos e perspetivar o seu futuro parece ser uma tarefa fácil para quem ocupou cargos executivos em conselhos diretivos durante três mandatos [2002-2004 no Conselho Diretivo Nacional (CDN), 2005-2007 e 2008-2010 no Conselho Diretivo da Secção Regional Sul (CDR-S)]. No entanto, ao iniciar a tarefa, apercebi-me desde logo não conseguir fazer uma avaliação objetiva. Em qualquer das abordagens que tentei (o desempenho dos conselhos, uma descrição de iniciativas, os sete Congressos ou mesmo a evolução do J—A) concluí que todos os temas implicariam uma análise de contexto e de conteúdo que, para ser minimamente válida, seria extensíssima mas sempre subjetiva. 

Assim, uma vez que este contributo não passará de “uma opinião”, opto por abordar alguns temas e iniciativas que considerei relevantes, no período em que ocupei cargos executivos em conselhos diretivos da OA, que refletem as opções tidas e que poderão ser úteis para futuro.

 

Mudar a ordem das coisas

Em dezembro de 2001, Helena Roseta, candidata pela lista C às eleições para a Direção da OA, escrevia num postal dirigido a todos os arquitetos: “Estou convencida que a Ordem pode e deve ter uma maior presença na sociedade portuguesa. Somos mais de 11 000, mas há demasiados arquitetos ... afastados de decisões que a todos afetam. E, no entanto, nunca foram tão grandes os desafios à nossa capacidade de intervenção”.

Foi com esta candidatura e com este espírito que integrei o CDN, no mandato 2002-2004, tendo-me sido atribuído um pelouro designado por “Território, Urbanismo e Serviço Público”, para além de Tesoureira.

Evito aqui falar sobre o trabalho feito no âmbito das finanças da OA, sendo, no entanto, de destacar os passos dados visando a clarificação e a transparência dos orçamentos e dos relatórios apresentados para apreciação nas assembleias gerais, conscientes que estávamos a utilizar dinheiros públicos.

Tratava-se de uma jovem Ordem, constituída há quatro anos e herdeira de uma estrutura, pouco consolidada, proveniente da AAP. Dar sequência a recomendações provenientes do Congresso de Évora e simultaneamente conhecer o perfil da classe, criar formas de divulgação da Arquitetura, intervir junto do poder político para revogar o 73/73 e defender o Direito à Arquitetura foram desafios que vieram a ser concretizados, ainda que alguns ultrapassando um mandato. Efetivamente, nestes três anos o CDN:

· Lançou o Inquérito sobre o estado da profissão em Portugal, estudo desenvolvido por Manuel Villaverde Cabral e Vera Borges, cujos resultados foram apresentados em 2006;

· Promoveu o “Inquérito à Arquitectura Portuguesa do século XX”, em parceria com a Fundação Mies van der Rohe e o Instituto das Artes;

· Desencadeou a petição “Direito à Arquitectura”, em 2003, que foi entregue na Assembleia da República, subscrita por 55 000 cidadãos, e foi posteriormente objeto da primeira iniciativa legislativa de cidadãos;

· Realizou o “ANA’03” (Ano Nacional da Arquitectura), que teve múltiplas iniciativas entre as quais o “Habitar Portugal 2000.2002” e o “Encontro dos Arquitetos da Administração Pública”, que reuniu em Almada mais de 200 arquitetos provenientes de todo o país e com diversas formas de exercício da profissão 1 ;

· Organizou as candidaturas feitas aos diversos prémios da UIA, que vieram a reconhecer a qualidade das nomeações apresentadas, premiando Manuel Taínha em 2002 e Nuno Portas em 2005;

· Criou o primeiro Colégio de Especialidade, neste caso de Urbanismo (CEU), que mereceu a aprovação da assembleia geral em 2003;

· Reeditou, em dois volumes, a “Arquitectura Popular em Portugal” (4.ª edição), em 2004;

· Concretizou dois módulos, um em Lisboa e outro no Porto, do encontro designado “Cidade que temos Cidade que queremos”, em 2004;

· Organizou a exposição “Arquitectura e Cidadania — Atelier Nuno Teotónio Pereira”, no Centro Cultural de Belém, também em 2004.

Esta lista de iniciativas, obviamente não exaustiva, demonstra bem ter sido atingido o lema de campanha “Mudar a Ordem das Coisas”. No entanto, ainda que entendendo a utilidade da maioria das iniciativas na divulgação e na defesa da profissão de arquiteto, questiono-me hoje se neste mandato não esteve um pouco ausente a regulação da profissão, afinal o motivo principal para a existência de ordens profissionais.

 

A seção regional do Sul (SRS)

No triénio 2005-2007 integrei uma candidatura ao Conselho Diretivo da SRS (CDR-S), numa lista conjunta (Nacional, Norte e Sul) cuja lema era “Arquitetura para todos”. No triénio 2008-2010 recandidatámo-nos, tendo então como lema “A SRS Marca”.

Ambas as candidaturas à SRS, integrando quase 40 arquitetos, pretendiam sobretudo valorizar o trabalho desenvolvido a nível regional. Ainda que a OA fosse (e é) uma entidade única, aos órgãos regionais estavam cometidas competências perfeitamente distintas das atribuídas aos órgãos nacionais.

Nesse sentido e no cumprimento do Estatuto da OA, em ambos os programas de candidatura à SRS estabelecemos como objetivo estratégico: Melhorar os serviços prestados aos arquitetos, no qual incluímos a modernização e simplificação de procedimentos ou a descentralização de competências aproximando os serviços de todos os membros. 

De registar que a SRS tinha (e tem) uma área de intervenção que abrange 54% dos concelhos do país (166 distribuídos em nove distritos e duas regiões autónomas), mas representava 72% dos arquitetos inscritos na OA. Dos efetivos inscritos na SRS, em 2010, 67% residiam na AML (30% em Lisboa). 

Por outro lado, na composição das listas para ambos os mandatos, visando minimamente representar o universo dos membros da SRS, procurámos integrar arquitetos com formas de exercício bastante diversas, predominando idades abaixo dos 35 anos. Havia quem trabalhasse na administração pública (central e local), havia quem trabalhasse em ateliers (como patrão e como assalariado), havia quem estivesse a dar aulas ou a fazer investigação e havia até quem estivesse à procura de emprego. Esta composição, que integrou também arquitetos residentes fora da Área Metropolitana de Lisboa, foi reconhecidamente enriquecedora para todos e, principalmente, para os resultados da atuação da SRS naqueles mandatos. 

Outra das questões que me parece aqui de realçar foi a distribuição partilhada de responsabilidades. Quer isto dizer que nos pelouros definidos foram inscritas as áreas de atividade e nestas os projetos a executar, ficando cada membro da direção responsável por diversas ações, em pelouros diversos, o que permitiu estabelecer uma rede permanente de informação e possibilitou que as reuniões do Conselho tivessem uma periodicidade mensal. 

Ainda que frequentemente os objetivos estabelecidos em campanhas não passem do papel, na avaliação feita nos diversos Relatórios de Atividades apresentados à Assembleia Regional do Sul e divulgados nos órgãos de comunicação da OA, constatámos que a maioria dos projetos tinha sido concretizada. A título de exemplo, no Relatório de 2010 verificou-se que apenas 20% das ações inscritas no Plano não tinham sido iniciadas. 

 

Os serviços 

O Estatuto da OA, vigente até 2015, estipulava que era competência dos Conselhos Diretivos Regionais: “Prestar serviços aos arquitetos e outras entidades”. Esta tarefa não estava cometida ao CDN, pelo que em ambos os mandatos, cientes das críticas feitas ao funcionamento da OA, procurámos melhorar os serviços prestados.

Importa referir que se entendia que o papel principal da seções regionais era a prestação dos serviços aos arquitetos, competindo ao CDN o papel definidor da política geral da OA e de relacionamento com entidades internacionais e de nível nacional 2 .

De referir também que, em ambos os mandatos, se defendeu a profissionalização da SRS, entendendo-a como a organização de uma estrutura “fixa” capaz de responder às solicitações dos arquitetos. Aos membros eleitos competiria a orientação e a elaboração de propostas a desenvolver, mas a sua execução e o funcionamento corrente estavam cometidos aos colaboradores da SRS.

Para o “boletim” da OA, editado em 2008 e dedicado aos serviços prestados pelas seções, elaborámos um extenso texto, descrevendo detalhadamente todos os que eram prestados pela SRS organizados em três grupos: os fundamentais, os profissionais e os complementares.

Será fastidioso abordar todos os serviços prestados na ocasião pela SRS. Parece-me útil, no entanto, destacar alguns, que refletem as opções tidas e que, ainda que passados quase nove anos, considero atuais. Exceção feita ao Conselho Regional de Admissão que deixou de existir com o novo Estatuto. No entanto, naqueles dois mandatos inscreviam-se na SRS uma média de 680 novos membros por ano, cujos processos de admissão (inscrição, estágios, formações, provas, etc.) careciam de preparação, análise e decisão. A resposta certa e atempada a todos os pedidos obrigava a dispor de uma estrutura de funcionamento bem organizada, o Gabinete de Apoio à Admissão, responsabilidade do CDR-S.

Também para o Conselho Regional de Disciplina, o CDR-S criou um Gabinete de Apoio que acompanhava e preparava o trabalho e as reuniões do Conselho e dos relatores, para além de alimentar um campo no website com as normas aplicáveis, perguntas frequentes e decisões públicas. A autonomia daquele conselho, face às matérias da sua responsabilidade, não permitia qualquer outro apoio, sendo de registar que, naqueles dois mandatos, se conseguiu inverter a tendência de aumento do número de processos entrados sobre o número de processos concluídos. 

Estes dois gabinetes de apoio inseriam-se nos designados serviços fundamentais. Importa realçar o esforço feito por Elisa Vilares na organização de toda a estrutura da SRS. Foi elaborado um organograma identificando as principais áreas de atuação da SRS e estabelecido um quadro de pessoal (técnico e administrativo) necessário a prestar convenientemente os serviços aos arquitetos. O aumento do número de membros (a 31 de dezembro 2010, a SRS representava 12 283 arquitetos) implicou uma reestruturação de uma casa que passou de AAP a OA, com a necessária adaptação a uma crescente demanda e exigência nos serviços prestados. Será também de registar a formação dada a todos os colaboradores, incluindo da Secretaria e da Tesouraria, e a desmaterialização dos processos dos membros com a inerente facilidade de consulta e resposta atempada a questões administrativas. 3

Quanto aos serviços profissionais e no âmbito da Formação será de registar que, em 2005, uma das melhores salas do 1.º piso do edifício estava reservada para a formação em Autocad. Entendeu o CDR-S não se justificar a continuidade daquela ação e, para além de ter libertado a sala para outros serviços, elaborou um programa de ações de formação, devidamente estruturado (Atualização de Conhecimentos, Habilitante, Competitividade, Jornadas Técnicas, Seminários/workshops). Fundamental o papel de Ricardo Aboim Inglez nesta tarefa que, para além de ter diversificado os temas e formatos das ações, estabeleceu diversos critérios (para valores de inscrição, para atribuição de créditos, para seleção e pagamento dos formadores, etc.) que muito facilitaram as decisões do CDR-S e as tarefas dos colaboradores.

Também no âmbito dos Concursos (uma competência exclusiva das seções regionais) será de destacar o trabalho desenvolvido por Telmo Cruz, na definição de critérios para a escolha de membros de júris e nas intervenções feitas junto de diversas entidades defendendo a prática de concursos na encomenda de projetos e planos. Foi também nesse período que se instalou o “semáforo” na divulgação dos concursos, alertando os arquitetos para aqueles que não estavam devidamente organizados, não aconselhando a sua participação. Para além de todo o apoio dado aos colaboradores da SRS na preparação e organização de Concursos, será também de referir o contributo dado ao CDN na apreciação da proposta legislativa de Código dos Contratos Públicos (CCP) e nas ações promovidas para a sua divulgação, bem como na definição de termos de referência para concursos de conceção nesta nova realidade.

João Costa Ribeiro participou também nesta área, sendo no entanto de referir a sua contribuição para a Comunicação, modo essencial de dar a conhecer aos arquitetos a atividade da SRS, mas também de divulgação, junto do público em geral, sobre o papel do arquiteto. Nestes dois mandatos, foi dada particular atenção à comunicação não só na divulgação de iniciativas, mas também na melhoria do website, na atualização da informação relevante para a prática, na utilização de novos meios de comunicação e na publicitação de posições do CDR-S sobre estudos, projetos e planos em curso ou em consulta pública.

Entendeu também o CDR-S ser necessário promover iniciativas que permitissem aos arquitetos explicar “na sua casa” projetos em curso que, por motivos diversos, geravam polémicas. Foi assim que, no auditório da OA, sempre (super)lotado, foram apresentados pelos autores e discutidos com o público o projeto do edifício do Rato, o projeto do edifício para o local do Estoril-Sol, o projeto do Museu dos Coches, o projeto do Terreiro do Paço, o projeto da Fundação Champalimaud, o projeto da sede da EDP, entre outros, num ciclo denominado “Prática em debate”. 

Muitos outros ciclos, exposições e iniciativas foram organizados por Pedro Veríssimo visando a divulgação e defesa da arquitetura, como sejam os ciclos “Reunião de Obra”, “Espaço Livre” e “Arquitetos da Geração Moderna” dando também continuidade a alguns iniciados no anterior mandato. Importa referir não só a grande adesão havida a estas ações mas também o facto de terem sido todas registadas em vídeo, permitindo a sua posterior divulgação. 

De relevar também a programação apresentada todos os anos para o Dia Mundial da Arquitetura e a realização de eventos comemorativos, como seja a “Cidade planeada Cidade executada”, nos 10 anos da Expo’98, ou as “Visitas à Baixa”, nos 250 anos do terramoto.

Considerou o CDR-S que este tipo de iniciativas contribuía não só para a divulgação e defesa da arquitetura mas também para alargar o conhecimento e formação do arquiteto, procurando temas relacionados e úteis à prática profissional. No entanto, sendo esta uma das maiores responsabilidades das SR, foi relevante a colaboração de José Barra no acompanhamento aos serviços de apoio à prática e de apoio à legislação que só em 2010 deram resposta a quase 2 000 solicitações. A atualização e a organização da informação colocada no website (diplomas, minutas, pareceres, etc.) foi uma das preocupações constantes naqueles dois mandatos. 

Será também de destacar o contributo de Nadir Bonaccorso não só nos temas que trouxe (sustentabilidade, eficiência energética, post-oil cities, reciclagem, etc.) mas também nos formatos das iniciativas. Será aqui de lembrar o “WAYD” (what are you doing?) que permitiu a inscrição e a participação de muitos arquitetos, mostrando, por sua iniciativa e muito informalmente, os trabalhos que estavam a realizar e “A Casa da Vizinha não é tão verde como a minha”, uma plataforma eletrónica para divulgação de projetos de arquitetura, que integravam o conceito de sustentabilidade, e de uma rubrica de perguntas e respostas sobre o tema, permitindo, não só, a atualização de conhecimentos mas também o esclarecimento de dúvidas que se coloquem aos arquitetos e às entidades. 

Muitas outras iniciativas organizadas e realizadas nesse período partiram de propostas de arquitetos (não eleitos), como seja “Duas Linhas” que, para além da exposição no vazio central do edifício dos Banhos de São Paulo, trouxe à OA especialistas de diversas áreas (arquitetos, paisagistas, urbanistas, geógrafos, engenheiros, jornalistas), que durante um sábado debateram a construção do território. A proposta de uma iniciativa interdisciplinar foi motivo suficiente para a aceitação desta proposta. 

De registar também a realização de inúmeras iniciativas, organizadas pela SRS em parceria com outras entidades que, para além de interdisciplinares, se debruçaram sobre temas específicos locais, como sejam os seminários sobre: o turismo em Tavira, a reabilitação em Setúbal, o território da raia em Idanha-a-Velha, a arquitetura judaica em Castelo Branco ou as aldeias de xisto no Fundão. 

E, a propósito de território, importará ainda mencionar o trabalho desenvolvido com as Delegações e Núcleos da SRS (D&N), no que entendemos por descentralização. Em 2005 estavam estabelecidas cinco Delegações (Algarve, Castelo Branco, Leiria, Açores e Madeira) e três Núcleos (Litoral Alentejano, Baixo Alentejo e Médio Tejo). Estas estruturas abrangiam 106 concelhos, dos 166 da área de intervenção da SRS, e integravam cerca de 16% dos membros da SRS. Posteriormente foi criada a Delegação de Portalegre, ficando a área da SRS praticamente coberta por estas “seções” locais. Defendemos a existência destas estruturas descentralizadas, não só pelo apoio aos arquitetos residentes nas suas áreas de influência como também na defesa e divulgação da profissão e, sobretudo, no relacionamento com as autarquias e outras entidades locais. Estas parcerias permitiram a realização de inúmeras iniciativas, com grande impacte local, e o estabelecimento de protocolos para o desenvolvimento de atividades, tendo diversas sido concretizadas. Por outro lado, debatemos com as direções das D&N o estatuto e os regulamentos vigentes à época. Após reuniões, posições, ponderações e reflexões, no final do mandato 2008-2010, foram acordadas com todos os intervenientes novas normas de criação e funcionamento das D&N da SRS.

No âmbito dos serviços complementares será de referir a Biblioteca que, ainda que disponha de edições do CDN, é um serviço suportado pela SRS. No último mandato foi feita, por um lado, uma “limpeza”, face ao número de títulos existentes, muitos oferecidos mas que não se adequavam ao objetivo da biblioteca, e, por outro, a aquisição de novos títulos, tarefas executadas sobre a orientação de Michel Toussaint. No âmbito das Edições, para além do apoio dado à publicação e à divulgação de algumas obras, importa salientar a edição de Teoria e Crítica de Arquitectura do século XX, coordenada por José Manuel Rodrigues. 

Para o fim, registo duas iniciativas que considero relevantes e marcaram o mandato: 

- A edição e a ampla distribuição da brochura Trabalhar com um arquitecto, que de forma clara explicava ao público como trabalhar com um arquiteto (o que podia ou devia pedir, perguntar, receber, etc.);

- A negociação havida e resolvida que permitiu que todos os arquitetos da SRS usufruam gratuitamente de um seguro de responsabilidade civil.

Esta listagem é uma amostra das iniciativas desenvolvidas pelo CDR-S no período 2005–2010 que, apesar de não ser exaustiva, nos parece ter contribuído fortemente para que a sociedade tivesse uma perceção sobre a arquitetura, enquanto disciplina, e um reconhecimento do arquiteto, enquanto agente privilegiado de relação com a cidade e com o território. Mas mais relevante parece-nos ser o trabalho realizado na melhoria dos serviços prestados aos arquitetos, independentemente da sua forma de exercício ou do seu local de residência, tarefa só possível com o empenho e dedicação de todos os colaboradores.

 

A Trienal

Importará também aqui abordar a Trienal de Arquitectura de Lisboa, não só pela dimensão de um projeto que nasceu na SRS em 2005, mas também para clarificar a sua atual situação.

Este esclarecimento parece-me importante e oportuno, porquanto ainda recentemente um arquiteto, questionando-se sobre a utilidade da OA, me ter dito: “E o dinheirão que a Ordem gasta com a Trienal”. 

Efetivamente o projeto Trienal de Arquitetura de Lisboa teve a sua origem no 1.º mandato em que presidi ao CDR-S. Nesse mandato, José Mateus era o vice-presidente e, desde o primeiro momento, manifestou vontade de organizar no seio da OA um evento “capaz de divulgar no nosso país a melhor Arquitetura, tanto portuguesa como a que era produzida noutros países. Simultaneamente pretendíamos com este evento dar um contributo para fazer chegar além-fronteiras uma imagem forte e positiva da Arquitetura Portuguesa” (adaptado de uma carta de maio 2015, solicitando a uma empresa uma reunião para eventual apoio da iniciativa).

Constatávamos que a arquitetura portuguesa era reconhecida e premiada internacionalmente, mas muitos portugueses não eram capazes de identificar uma obra de arquitetura ou indicar o nome de um arquiteto.

Tratava-se de um projeto muito ambicioso e havia na direção pessoas que se opunham fortemente à realização deste evento, considerando, para além do facto de se apoiar nos recursos da SRS, não estar no âmbito das suas competências.

Mas havia também quem apoiasse sem reservas este projeto, considerando necessária a realização de um evento desta natureza em Lisboa. Sobre a sua organização pelos serviços da SRS defendia-se que seria não só uma mais-valia para todos os colaboradores, mas também uma garantia da sua qualidade, principalmente na preparação dos diversos concursos necessários ao evento.

Para além deste apoio, diversas instituições e entidades manifestaram também a sua vontade de participar e de contribuir para a sua realização. 

Ponderadas todas as questões de fundo, incluindo o respetivo orçamento comprovando não haver custos extraordinários para a SRS, a assembleia geral da OA aprovou a realização do projeto Trienal. A sua 1.ª edição ocorreu em 2007 e foi dedicada a “Vazios Urbanos”.

No mandato seguinte foi constituída a Sociedade Trienal de Arquitectura de Lisboa, criada a sua sede (fora do edifício dos Banhos de São Paulo) e designados os representantes de diversas instituições nos cargos diretivos. Um dos lugares é ocupado por um representante do CDN.

Na preparação da 2.ª edição da Trienal, dedicada a “Falemos de casas”, a SRS, ainda que acompanhando de perto todo o seu desenvolvimento, apenas participou na realização dos diversos concursos.

Hoje, a Trienal, sediada no Palácio Sinel Cordes, no Campo de Santa Clara, apenas terá em comum com a OA a defesa e divulgação da Arquitetura. Para além de todas as iniciativas em que participa, é parceira ou organiza, a Trienal está agora a preparar a sua 5.ª edição, a ocorrer em 2019.

Julgo poder afirmar que toda a direção do mandato 2005-2007 e todos os colaboradores da SRS sentem orgulho em ter participado na criação deste ambicioso projeto.

 

SRS 2018

O contexto atual é bastante diferente do de 1998 ou mesmo do de 2010, ano em que deixei de pertencer a um órgão executivo da OA.

Atualmente, para além das alterações ocorridas no Estatuto sobre a organização da OA e as competências dos diversos órgãos, a sociedade em geral está mais atenta ao fenómeno da construção, as formas de participação estão mais sofisticadas, as associações de moradores ou as organizações de defesa, de inúmeros interesses, estão mais profissionalizadas, as intervenções urbanas ou rurais são mais publicitadas, a transparência dos órgãos de decisão é maior, os técnicos das Câmaras Municipais, que apreciam projetos, sentem-se mais pressionados, os políticos são alvo de acusações, os promotores são mais fortes e os arquitetos-projetistas estão frequentemente no centro de polémicas, muitas vezes injustamente e sem “direito de resposta”.

Tudo isto se passa em Lisboa e em concelhos da área de intervenção da SRS, pelo que me parece que, se integrasse hoje um órgão executivo, teria promovido sessões de apresentação de projetos e de planos, permitindo aos arquitetos, na “sua casa”, apresentá-los publicamente, justificando as opções tidas e, simultaneamente, debatendo fundamentadamente as designadas questões “polémicas”. Teria também procurado trazer à OA o debate sobre outros temas, que estão na ordem do dia e se relacionam com o exercício da profissão, como seja a habitação, as “reabilitações” e as adaptações de edifícios, as obras no espaço público ou as intervenções fora de aglomerados. Sugeriria até uma conversa ou sessão com “especialistas” sobre o conceito de “mono/monstro” arquitetónico. 

Ainda que nos últimos anos tenham surgido inúmeros locais e estruturas, onde se debate a arquitetura, como a Trienal, a Casa da Arquitectura, a Garagem Sul, certas galerias e mesmo as faculdades, entendo que a instituição OA é um lugar privilegiado para publicamente defender a profissão de arquiteto ou permitir que o arquiteto se defenda.

Por outro lado, teria procurado melhorar, ainda mais, os serviços prestados pela SRS aos arquitetos, entendendo ser este o seu principal papel. Hoje parece que a SRS cumpre os serviços de apoio à prática, encomenda e certificação de membros, que herdou de uma estrutura existente, mas não os tem alargado.

Procurando no website não se encontram Planos de Atividades ou Relatórios recentes que mostrem as iniciativas previstas, em curso ou realizadas. Não há informação sobre a inscrição na OA, nem dados sobre os arquitetos efetivos ou a sua distribuição no território. Os planos estratégicos são de mandatos anteriores, no campo da Disciplina não há qualquer edital, a agenda está vazia, são publicitados eventos de outras entidades, mencionando nalguns que a SRS participa ou apoia. Efetivamente é possível que a SRS esteja a fazer um ótimo trabalho, mas não o dá a conhecer devidamente aos seus membros. 

Parece-me que as lacunas apontadas, que, como disse, poderão ser aparentes por falta de informação, mereciam alguma ponderação por parte do atual CDR-S, uma vez que não é claro, para os membros que constituem a SRS, se se trata de falha na comunicação ou de uma opção de política havida.

Acresce que com a aprovação da Lei n.º 25/2018, de 14 de junho, que permite que alguns engenheiros voltassem a subscrever projetos de arquitetura, a maioria dos arquitetos sente que foi perdida uma batalha em torno da defesa da profissão, anulando todos os esforços, as iniciativas e os resultados tidos anteriormente. Este sentimento, associado à falta de conhecimento sobre a atividade da SRS, é fatal, hoje em dia, um tempo de notícias constantes e de redes sociais, com todos os seus aspetos positivos, mas também capazes de destruírem qualquer pessoa ou instituição. 

Contudo, vemos surgirem de novo muitas gruas, há obras em curso e, obviamente, projetos a serem elaborados. Neste contexto e considerando a inscrição de jovens arquitetos, a diversidade de formas de exercício da profissão, a variedade de tipologias de projetos e planos, a multiplicidade dos modos de encomenda e a quantidade de legislação aplicável; são motivos suficientes para que os arquitetos precisem de seções regionais que lhes prestem o devido apoio e, simultaneamente, promovam e defendam o exercício da profissão.

 

Sugestões

80% da população portuguesa vive no litoral do país, que corresponde a cerca de 1/3 do território continental. Estes dados surgiram numa notícia recente do jornal Expresso sobre a aldeia Casal de Ordem, o local de residência do Secretário de Estado do Interior. Localiza-se perto de Proença-a-Nova e nela apenas residem 11 habitantes, sendo que a família do Secretário de Estado compreende cinco pessoas. Para além da curiosidade do nome desta aldeia conter o termo “Ordem”, foi o seu conteúdo que me levou a evocá-lo, neste artigo sobre os 20 anos da OA.

Considero prioritário que a OA faça também uma avaliação sobre a distribuição dos arquitetos no território e uma ponderação sobre a sua atual organização. Defendo que, com a maior urgência, verifique a possibilidade de se estruturar de acordo com o permitido no atual Estatuto, ou seja, passar de duas para sete seções regionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores). 

A organização atual em duas seções (norte e sul) era admissível quando o número de arquitetos não chegava a 3 000 (ainda que a sul residissem 2/3). Hoje, este número quase decuplicou não sendo possível a uma Seção, com tão elevado número de membros, dar resposta correta e atempada a uma diversidade de solicitações de arquitetos. Com a criação do “Portal dos Arquitectos” a maioria das questões burocráticas pode ser resolvida em qualquer ponto do território. No entanto, o afastamento de muitos arquitetos aos edifícios das atuais seções não permite a sua participação em muitas das iniciativas ou a sua deslocação para a explicação ou resolução de uma situação técnica ou enquadramento jurídico, junto dos serviços de apoio à prática. Também as frequentes dúvidas sobre a encomenda ou questões relativas à disciplina beneficiariam com a proximidade.

Seria benéfica a descentralização da OA, não só nesta aproximação aos arquitetos residentes fora das áreas metropolitanas mas também num melhor conhecimento das especificidades locais e, sobretudo, na influência destas estruturas junto de outras entidades, em particular as autarquias locais, o que se comprovou já com as D&N. A quantidade de notícias surgidas sobre as iniciativas promovidas por arquitetos é prova suficiente de que em todo o território há interesse sobre a profissão, sobre os projetos que elaboram, sobre as obras em curso, sobre os concursos em organização ou mesmo sobre exposições de trabalhos. Mas, fora de grandes centros urbanos, estas notícias sobre iniciativas têm um impacte muito maior que merece a devida atenção.

Por outro lado, a participação pública, particularmente sobre a construção do território, é um fator a considerar cada vez com mais frequência e premência. A participação da OA é também fundamental neste tipo de debates, nem que seja só para esclarecer sobre os direitos e os deveres do arquiteto. No entanto, a maioria dos membros sente que a OA poderia ter um papel mais interventivo, criando condições para um debate constante envolvendo a sociedade na sua relação com a arquitetura, a cidade, o território e a paisagem. Poderia mesmo defender a necessidade de um papel mais propositivo, criando um suporte profissional em matéria de instrumentos de gestão de território, política de habitação, transição energética, prática profissional, honorários ou contratação pública, entre outros, que permitiriam até originar novos enquadramentos legislativos e paradigmas profissionais. O relacionamento com instituições internacionais parece facilitar esta tarefa.

O atual cenário de divulgação da arquitetura, nas estruturas permanentes, atrás mencionadas, e com iniciativas pontuais, como o Archi Summit, julgo que permitirá à OA focar a sua atenção na defesa da profissão e na relação do arquiteto com a sociedade.

Em suma, defendo uma Ordem dos Arquitectos descentralizada, interventiva e focada na prática profissional. ◊