Objects After Objects e o depois da Exposição

Portugal na XXI Exposição Internacional da Trienal de Milão

Por Paula Melâneo
Arquitecta e editora

Trienal de Milão é o nome de uma instituição cultural, com origem em 1923 em Monza, e desde 1933 localizada em Milão, no Palazzo dell’Arte no verdejante Parco Sempione. Desde a sua criação tem organizado grandes Exposições Internacionais, inicialmente bienais, depois trienais mas que se tornaram de periodicidade inconstante. O grande palácio da Trienal acolhe também uma grande diversidade de exposições e conferências de diferentes disciplinas, centrando-se nos campos da arte, arquitectura, design, moda e cinema.

 

Este ano a instituição lançou a XXI Exposição Internacional, voltando a juntar um conjunto de países participantes dispersos em diferentes espaços pela cidade, sob o tema 21st Century. Design After Design. Com um tema vago, um comité científico 1 propõe uma contextualização extremamente abrangente: fala-se de morte, sagrado, eros, destino, tradições e história; juntam-se questões de género e globalização em design; transformações trazidas pelo séc. XXI e pela crise de 2008; relações entre cidade e design; a acessibilidade a novas tecnologias de informação e ainda toca a temática das artesanias. Uma abordagem muito confusa, a que os países tentam responder.

 

Passados 12 anos da sua última participação – em 2004 com a reapresentação de “Disegnare nelle Città”– Portugal apresenta Objects After Objects no Museo Nazionale della Scienza e della Tecnica “Leonardo da Vinci”, a sua 4ª participação neste evento, conciliando design de produto e interiores com arquitectura. O comissariado é assumido por José Bártolo (professor e curador na área de design), a curadoria pelos arquitectos Roberto Cremascoli e Maria Milano e a produção da Escola Superior de Arte e Design de Matosinhos.

 

© Paula Melâneo
© Paula Melâneo

 

A origem desta representação oficial

 

“Tudo começou com um ‘convite informal da Trienal’ aos seus contactos na ESAD”, referiu Bártolo ao jornal Público (23/03/2016). Para além do convite direccionado, ao que parece há também, logo à partida, uma escola – não-estatal – implicada no projecto. Jorge Barreto Xavier, na altura Secretário de Estado da Cultura, deu início à concretização desta representação oficial atribuindo-lhe 36.000€. Para aumentar o orçamento urgia encontrar mecenato e patrocínios, e, para isto envolveram-se empresas e municípios.

Duas conferências de imprensa em Lisboa – no MUDE (Dezembro 2015) e no Palácio Nacional da Ajuda (Março 2016) – convocaram os media e lançaram ao público altas expectativas sobre o projecto curatorial, juntando os representantes das instituições implicadas e listando-se nomes de participantes.

 

Projecto curatorial e programa

 

A abordagem curatorial, apresentada por Bártolo e curadores, refere uma revisitação crítica à XIV Exposição da Trienal de 1968, evento comissariado por Giancarlo de Carlo, que é destruído mesmo antes de inaugurar por protestos estudantis – mostraria conteúdos considerados “burgueses”–, relacionados com o Maio de 68. Ao mesmo tempo o programa propõe “uma reflexão sobre a prática do projeto contemporâneo, a sua radicalização, o seu ensino, a produção, a sua dimensão criativa, económica e política”. Dá-se ênfase à ideia de Escola. A proposta é sedutora, mas prevê-se a dificuldade (por dispersão) no cruzamento com as temáticas da própria Trienal. O resumo não é fácil e a exposição é também por si confusa.

 

Nem sempre comum no historial das representações nacionais, foi a inclusão de uma instituição de ensino e do trabalho de estudantes. A ESAD Matosinhos esteve implicada na produção, participou nos workshops propostos e fez a montagem da exposição. Um processo inclusivo, que procurou a participação dos estudantes e colocou os seus trabalhos em evidência expositiva, potenciando as redes com outras escolas, como o Politécnico de Milão (esta uma escola pública italiana).

 

Extemporary Capsule
Extemporary Capsule

 

A Representação nacional

 

Um edifício de antigas cavalariças, parte do Museu Leonardo da Vinci, é o espaço extremamente fotogénico que recebe parte das representações nacionais desta XXI Exposição Internacional. Portugal está entre Afeganistão, Albânia, Alemanha, Argélia, Croácia, Grécia, Líbano, Lituânia, Myanmar. Junto estão ainda apresentações da empresa Caimi Brevetti S.P.A./Italia e uma estranha mostra de pequenos espaços de meditação. No geral o conjunto é pouco interessante, as exposições são fracas, dissuasoras da visita e pouco abonatórias para o projecto português.

 

A exposição portuguesa ocupa 225m2, distribuídos por duas salas (e também a instalação Extemporary Capsule realizada pelos alunos da ESAD, no exterior do edifício). A primeira agrega pequenos conjuntos de objectos de design de produto: Novas Práticas em Design com curadoria de José Bártolo e O Objecto Reinventado, o resultado de 3 workshops com os alunos sobre reutilização de objectos, com curadoria de Maria Milano. Vários vídeos acompanham os objectos, onde os tutores dos workshops (Paolo Deganello, Fernando Brízio, João Mendes Ribeiro – e ainda Vânia Rovisco, coreógrafa do workshop de Mendes Ribeiro) nos falam do trabalho desenvolvido. Deambulamos entre a cenografia proposta e os conteúdos. Outros 2 vídeos em destaque são as apresentações dos municípios do Porto e Matosinhos. Ao estarmos numa continuidade da visita, há aqui um choque com os conteúdos: um vídeo, sobre a cidade de Matosinhos, mostra com orgulho as suas características e a aposta que faz nas áreas do design e arquitectura, e ainda nos traz, fisicamente, uma maquete das Casas Pátio de Souto de Moura, pertencente à Casa da Arquitectura; o outro apresenta o projecto que a Câmara do Porto leva a cabo no antigo Matadouro. São conteúdos que confundem a leitura e tornam a representação regionalista, resultantes de cedências que, neste caso, não qualificam a proposta curatorial.

 

A outra sala centra-se na arquitectura, onde foram distinguidas duas gerações: uma mais jovem e emergente, integrando 10 participantes (indivíduos e colectivos), e outra de 13 “mestres” arquitectos.

A própria divisão em salas quebra uma possível unidade de projecto e a tão ambicionada simbiose entre design e arquitectura. Aqui temos 2 exposições diferentes.

 

© Paula Melâneo
© Paula Melâneo

 

13 Habitats (curadoria de Roberto Cremascoli e Maria Milano)

 

Foram 13 os “mestres” arquitectos, todos homens, convocados para em vídeos de 3 minutos – que passam em 13 écrans espalhados pelo chão da sala – nos falarem de habitat, como prática e como “espaço de felicidade”: Adalberto Dias, Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, Eduardo Souto De Moura, Gonçalo Byrne, João Mendes Ribeiro, José Adrião, José Carlos Loureiro, João Luís Carrilho da Graça, José Manuel Carvalho Araújo, Manuel Aires Mateus, Manuel Graça Dias e Sérgio Fernandez. As directivas do programa vão neste sentido: “Os arquitetos são intelectuais refinados e agentes culturais que, através dos projetos, veiculam valores e interpretam as formas de habitar de uma sociedade, contribuindo para formar e informar o espírito do nosso tempo.”

 

Poderíamos supor que a lógica da escolha fosse a de uma geração cuja prática fosse contemporânea aos acontecimentos do Maio de 68 – é facto que a Arquitectura já foi uma profissão tendencialmente masculina, situação que se veio a equilibrar –, mas o convidado mais novo é José Adrião (n.1965), excluindo-se esta hipótese. Teria sido importante ouvir as perspectivas, por exemplo e dentro desta geração, de Ana Tostões (n.1959), Teresa Novais (n.1962), Paula Santos (n.1962), Cristina Veríssimo (n.1964), Cristina Guedes (n.1964) ou até Inês Lobo (n. 1966) – um ano mais nova que Adrião e com assinalável volume de trabalho produzido e obras construídas. Uma falha na “amostragem” destes representantes, num bypass aos temas propostos pela Trienal, de inclusão e género.

 

Os habitats que visitamos são heterogéneos: uns, recebem-nos nas suas próprias casas, outros, no seu atelier falam do conceito de habitar e da atitude de pensar habitats alheios. A experiência seria mais consistente – e menos usual – se todos fizessem uma reflexão sobre o que é pensar o próprio habitat.

 

Há um certo romantismo nestes filmes, focando os objectos dos arquitectos, surgindo uma ideia poética do seu estatuto de coleccionadores de objectos de design, de arte ou de livros. Em alguns casos há a sensação de vermos um programa de televisão (a música escolhida ajuda...) – talvez a própria realização (de Bruno Carvalho) não tenha acompanhado do melhor modo o conteúdo. Nem sempre é fácil filmar espaço ou transmitir a sua sensação, e por vezes quando se fala de espaço, mostra-se apenas decoração. No caso do vídeo de Sérgio Fernandez a situação é contrária, percebendo-se o discurso e o espaço, o que se pode justificar pela própria escala “objectual” da Casa de Caminha (1971-73), que apresenta como habitat.

 

© Paula Melâneo
© Paula Melâneo
© Paula Melâneo
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Novas Práticas em Arquitetura (curadoria de Roberto Cremascoli)

 

Partilhando a sala dos 13 habitats, estão presentes as 10 práticas emergentes com o objectivo de mostrarem o seu trabalho em contextos de intervenção social – emergência, processos participativos e de poucos recursos são temas descritos no programa – e arquitectura performativa: JQTS, Ateliermob, Bernardo Rodrigues, CAN RAN, Fahr 021.3, Moradavaga, Nuno Abrantes, Pedro Bandeira, Pedro Rogado e SAMI. A sua participação resume-se à projecção de slides na parede, com poucas referências, perdendo-se o fundamento da escolha destes projectos.

 

Seria interessante e coerente uma maior homogeneidade nesta representação, porque não ter também esta nova geração a falar de habitat? Seguramente que conceitos diferentes seriam apresentados, dada a diversidade das experiências.

 

Questões às representações

 

Visitar a XXI Trienal de Milão levanta-nos diversas questões. Começando na própria selecção da representação, quais devem ser os critérios – há um convite externo a uma entidade portuguesa e apresenta-se um projecto? Não deveria o Estado escrutinar a escolha e o próprio projecto representante?

 

Estes eventos, por terem orçamentos tão baixos, vêm-se obrigados a levar um séquito de patrocinadores (ainda que públicos) que ambicionam, também, aparecer. Qual a fronteira entre patrocínio e conteúdo? Quem deve limitar essas “intrusões”: o comissariado, os curadores ou, uma vez que é “promotor” da representação oficial, o próprio Estado?

 

Há espaço para vários modelos de participações, a forma como é feita é importante. O tema do evento e o discurso curatorial têm de estar em coerência e a vontade de colocar muitos conteúdos leva a uma grande dispersão das ideias. Um projecto curatorial deverá reflectir uma sintonia e unidade na pesquisa e não ser um aglutinado de partes díspares e sem leitura de conjunto.

 

Por fim, perante os resultados apresentados, importa pensar se valerá a pena dar continuidade à participação portuguesa na Exposição Internacional da Trienal de Milão. Sem grandes recursos para estas participações, é de questionar a pertinência da própria presença do país nestes moldes e face à gestão de acordos e concessões, como aconteceram nesta edição. Tem realmente impacto internacional ou não será este evento meramente para, entre nós portugueses que cá estamos, podermos dizer que estivemos presentes, trocando alguns likes e elogios em redes sociais, sem termos grande contextualização do aspecto geral, dos diálogos internacionais que potencia, ou se o evento é abonatório ou não. Fará sentido a pulverização dos esforços nos diversos eventos, ou apostar apenas num que seja realmente significante? Olhando com profundidade, esta experiência pode merecer uma avaliação para definir o caminho de futuras participações. ◊

 

 

NOTA: Parte dos conteúdos expositivos vão estar a partir de 30 de Setembro em exposição no Museu dos Coches em Lisboa. Os vídeos 13 habitats podem ser vistos aqui. Fomos informados que são excertos de filmes de 25 minutos, parte de um projecto com o jornal Público a apresentar em breve.

 

 

© Luca Martinucci
© Luca Martinucci