ENSAIO

A extinção da política cultural em arquitectura no futuro: uma utopia pedagógica

Por Susana Ventura

Arquitecta, Doutorada em Filosofia na área de Estética (FCSH-UNL), Pós-Doutoranda (FA-UP)

 

“Residência artística” com crianças do bairro Pena Ventosa, Porto, 1977
© Elvira Leite
“Residência artística” com crianças do bairro Pena Ventosa, Porto, 1977
© Elvira Leite

 

 

No futuro, não existirá mais política cultural em arquitectura.

Por mais exposições de arquitectura que se façam, por mais publicações sobre os mais diversos temas arquitectónicos, do passado, do presente, ou mesmo de aspirações futuras, que se editem, por mais mesas-redondas que provoquem debates e conversas em torno da capacidade extraordinária de transformação da vida dos espaços e das pessoas pela arquitectura, esta continuará prisioneira das suas próprias ortodoxias, dos seus próprios discursos, dos seus objectos auto-referenciados e exclusivos. Por que razão é que a arquitectura não consegue inscrever-se no seio da comunidade espontaneamente? E como é que poderá fazê-lo, extinguindo, no futuro, a necessidade de uma política cultural? 

Talvez tudo comece por determinarmos e defendermos que a arquitectura é um produto cultural. Numa conferência no Centro Cultural de Belém 1 , a arquitecta Marina Tabassum, antes de explicar os seus projectos e obras de arquitectura, começa por descrever a geografia (natural e humana), o clima, a história, as diferentes religiões e tradições, os materiais e as respectivas técnicas artesanais do seu país natal, o Bangladeche. Neste, a terra funde-se com a água, devido aos inúmeros rios, ribeiros e cursos de água, que o atravessam desde Norte até desaguarem no Sul, em que, na sua travessia, se vão bifurcando uma e outra vez, bifurcando outras tantas vezes, até à completa união do imenso delta do Ganges-Brahmaputra com o golfo de Bengala. As terras em redor inundam-se facilmente e o solo fica lamacento, tornando o barro, por exemplo, num dos materiais mais acessíveis e abundantes. Não existe fronteira entre terra e água, e os rios e os cursos de água, muitas vezes, alteram a sua fisionomia, imprimindo à terra um carácter de impermanência entre erosão e colapso. O ar é húmido e quente, que nem as chuvas tropicais frequentes conseguem atenuar. Um abrigo (e a ideia de um abrigo) resume-se, por isso, a um chão ligeiramente elevado do solo, um tecto e, em vez de paredes, um conjunto de colunas para o suportar. A temperatura quente, durante quase todas as estações (sobretudo na região Sul), chama pelas pequenas brisas que, dessa forma, poderão atravessar o espaço e refrescar os seus habitantes. 

Provavelmente, seria muito difícil para Marina Tabassum falar da sua prática sem explicar como todos estes elementos determinam os seus projectos e obras de arquitectura, evidenciando, sobretudo, como a arquitectura é, essencialmente, transversal, englobando vários domínios e dimensões da vida, que são constituintes da cultura de um povo. A arquitectura é, acima de tudo, um produto cultural. Contudo, nestes longos anos, temos insistido em definir a política cultural como uma tarefa paralela à prática da arquitectura, em vez de a pensarmos como uma parte que lhe é intrínseca.

Em 1958, o Primeiro-Ministro da Índia Jawaharlal Nehru, preocupado com o impacto do design e da tecnologia ocidentais na cultura do seu país, convidou Charles & Ray Eames para avaliarem e proporem um programa que pudesse responder a este problema. Os Eames viajaram durante três meses por terras indianas, documentando em fotografias, estudando e reunindo-se com vários especialistas da indústria, do design, da arquitectura e da educação. No fim, apresentaram um relatório — The India Report —, onde recomendam, em primeiro lugar, uma investigação séria sobre os valores e as qualidades que se revelam essenciais e inquestionáveis no modo de vida indiano, advertindo, contudo, que seria necessário olhar para estes como se fosse a primeira vez. Esta investigação deveria ser seguida por um estudo relativo aos problemas do ambiente construído e do abrigo, cujo desenvolvimento beneficiaria se esse começasse por ser aplicado ao nível de uma pequena aldeia ou comunidade. E, por fim, para validar essa investigação, seria necessário convocar e reunir todas as disciplinas que intervêm na vida colectiva — sociologia, engenharia, filosofia, arquitectura, economia, comunicação, história, antropologia, pintura, entre outras — para pensar nos problemas sob as desejadas perspectivas totalmente novas. 

Curiosamente, este olhar novo tem início no exemplo da lota, um simples e tradicional vaso de utilização quotidiana para transportar, principalmente, água, ao qual os Eames reconheceram perfeição e beleza seculares. Mas como é que se desenha uma lota? O casal Eames explica: temos de excluir todas as ideias preconcebidas sobre o acto de desenhar e, depois, considerar as diferentes questões que tal desenho implica 2 ,acrescentando, por fim: uma única pessoa não conseguiria desenhar a lota. Foram necessárias muitas pessoas para a desenhar ao longo dos séculos, um saber colectivo que foi sendo aperfeiçoado pela experiência e que só as mãos indianas (sobretudo as das mulheres) conhecem; as misturas mágicas que transformam o bronze em ouro. Para os Eames, a lota, um produto intrínseco à cultura e aos padrões de vida indianos, funciona como um modelo crítico de pensamento a partir do qual os vários problemas de desenho 3, desde o de um objecto quotidiano, ao de um abrigo e ao do ambiente construído, poderão ser enunciados. 

O relatório dos Eames teve como objectivo último propor a criação de um Instituto de Design no qual estaria delegada a responsabilidade de despertar o povo indiano para os problemas inerentes à vida quotidiana e, acima de tudo, para a consciência das qualidades dos objectos e do ambiente construído, idênticas àquelas que os Eames reconheciam na lota (a dignidade, a dedicação e o amor investidos no desenho e na manufactura de um objecto quotidiano que é o resultado de um saber comunitário e partilhado), perante os tempos de mudança que a Índia estava a atravessar. As funções do Instituto seriam as de investigar, educar e servir, em que as tarefas seriam transversais às três funções, estimulando os cruzamentos e as afinidades, as matérias e os conteúdos multidisciplinares, e o método colectivo e participativo. É verdade que o Instituto asseguraria a construção de uma colecção de artefactos e a sua divulgação com exposições, filmes, entre outras formas de comunicação 4, mas seria, sobretudo, o programa pedagógico que iria garantir que, pelo menos, um grupo de pessoas estaria concentrado, apenas, na qualidade das coisas que moldam o quotidiano e a vida dos indianos. 

O programa proposto no The Indian Report pelos Eames, partindo do exemplo primordial da lota, coloca-nos uma questão inevitável: por que não pensar numa política cultural que não se reduza à divulgação das obras de arquitectura — quase sempre dirigida a públicos da especialidade —, mas procure, exactamente, fundar-se num modelo de educação capaz de reunir a experiência, o saber colectivo (que é esse saber fazer que atravessa gerações) e modelos experimentais multidisciplinares, para que a arquitectura (na sua potência enquanto produto cultural) possa atravessar e contaminar todos os domínios da vida, inscrevendo-se no seio da comunidade? 

Na história do ensino da arquitectura, os exemplos não são assim tão raros, embora, ironicamente, na época contemporânea em que os métodos híbridos, transversais e plurais, as contaminações entre áreas disciplinares se tornaram mais comuns e disseminadas, tendam a escassear. Lembramo-nos da Bauhaus (1919-1933), na Alemanha, ou da Vkhutemas (1920-1930), na Rússia, como das primeiras escolas, dirigidas a artistas-designers, a reunir, nos seus programas pedagógicos, as diferentes práticas artísticas e tradições artesanais. Mais tarde, o Black Mountain College (1933-1957), na Carolina do Norte, influenciado pelas teorias pedagógicas de John Dewey, foi uma escola de artes liberais experimental que reuniu arquitectos, artistas,

poetas, compositores e coreógrafos de renome, como Buckminster Fuller, John Cage ou Merce Cunningham 5. Apesar da curta duração, o Black Mountain College tornou-se numa referência para as práticas artísticas contemporâneas que têm como base a experimentação, o que “sugere que trabalhar “experimentalmente” numa prática cultural pode fomentar uma acção sombra: usar o microcosmo académico para apresentar modelos de teste e de organização de novas formas de agência política e de vida social” 6.

Semelhantemente, a Escola de Arquitectura da Universidade Católica de Valparaíso (a partir de 1952), no Chile, sob a direcção do arquitecto Alberto Cruz e um grupo de artistas, entre escultores, poetas e arquitectos, tinha como objectivo conciliar as diversas disciplinas criativas e enfatizar as semelhanças entre vida, poesia, trabalho e estudo. “A exploração da linguagem — especificamente como era realizada pela poesia — foi o medium escolhido pela Escola para desenvolver uma investigação criativa sobre a experiência “vivida” dos espaços da cidade. O chamado “acto poético” e, mais tarde, o phalene desdobraram esta exploração: oscilando entre recitações públicas e performances artísticas colectivas — introduzindo jogos, vestuário comemorativo e, geralmente, levando à produção de um trabalho material artístico — os phalenes insinuavam acções e espaços com qualidades inesperadas. Os lugares eram entendidos como campos de jogo em que movimentos e estratégias eram desvinculados de qualquer objectivo para além deles. Tal aproximação à arquitectura foi pensada para atribuir significado aos espaços e abri-los à produção de novas subjectividades, enquanto permaneciam completamente independentes das condições materiais e das contingências históricas. Diferentes tipos de deriva ou travessias ampliaram esta apropriação poética dos espaços ao longo de territórios estendidos” 7. Estas ideias levaram à criação da Cidade Aberta (1971), uma cidade experimental construída e ocupada pelos próprios professores e alunos, rejeitando o ideal propagandeado pela arquitectura modernista de “mudar o mundo,” preferindo “mudar a vida” que, segundo acreditavam, seria possível introduzindo a poesia e o acto poético nas suas acções. 

De uma maneira diferente, o Rural Studio da School of Architecture, Planning and Landscape Architecture da Auburn University tem vindo, desde 1993, a incentivar uma educação arquitectónica mais prática, ao mesmo tempo que ajuda as populações mais carentes na região do Alabama 8. O Rural Studio acredita que, independentemente das suas origens e do status socioeconómico, todas as pessoas merecem espaços de qualidade, trabalhando no seio das comunidades de forma a definir soluções arquitectónicas, angariar fundos para a construção e, por fim, construir projectos que, de facto, possam alterar o quotidiano daquelas comunidades. Até ao presente, o Rural Studio construiu mais de 200 projectos e educou mais de 1000 “arquitectos cidadãos”. 

Paralela a programas de educação institucionais, a Grymsdyke Farm 9, criada em 2009 pelo arquitecto Guan Lee, na vila de Lacey Green, em Buckinghamshire, é um lugar para viver, trabalhar, investigar e construir dirigido a arquitectos, artistas, designers ou quem estiver interessado em explorar as ligações entre processos de design e criação, materiais e técnicas artesanais e processos de fabricação de alta tecnologia, a partir de um modelo pedagógico informal e enraizado localmente, comunitário e colaborativo, onde as pessoas podem trocar ideias, métodos de trabalho, interesses e conhecimentos especializados.

As instalações da Grymsdyke Farm incluem uma oficina de madeira, uma instalação de fabricação digital CNC de três eixos, uma oficina de fundição, uma oficina de cerâmica, uma área de metalurgia, um braço robótico industrial de seis eixos, um cortador a laser e uma impressora 3D Zcorp, uma área de alojamento (até 12 pessoas), uma cozinha comunitária e um amplo espaço ao ar livre com pomar, horta e campo de ténis. As pessoas podem ficar mais de um fim-de-semana, por algumas semanas ou meses para terminar o trabalho, muito do qual é aplicado a pequenos edifícios comunitários na região local. Uma das suas características mais distintivas é a incorporação de alta-tecnologia 10, como robôs e oficinas digitais, aliada, no entanto, sempre a técnicas artesanais e analógicas, como a cerâmica ou a metalurgia e a preocupações locais, em oposição a outros modelos de fabricação digital mais abstractos. 

Em todos os exemplos que referimos anteriormente, conseguimos reconhecer valores de uma arquitectura que procura fundar-se na comunidade e nas suas diferentes necessidades, que actua em vários domínios do quotidiano e da experiência, reunindo o saber colectivo continuado, as tradições locais e o desejo de experimentação, que convoca as mais diversas áreas para enriquecer a experiência dos lugares e dos espaços, assim como apela à participação e à colaboração, não só de diferentes especialistas, como das diferentes populações. E, no entanto, parecem-nos, ainda, casos muito específicos, isolados, pontuais, sem repercussões determinantes, incapazes de inscrever a arquitectura no tecido social e no seio das comunidades 11. Não deveria uma política cultural para a arquitectura procurar dotar, de forma idêntica a estes exemplos, as comunidades de uma consciência arquitectónica reconhecendo que, além de ser um produto cultural que expressa os seus valores, é, acima de tudo, produtora de afectividades constituintes da nossa relação com o mundo e com os outros? Caso contrário, a arquitectura permanecerá sempre residual e aquém da sua real potência de transformação da vida das pessoas — não se trata de mudar o mundo, mas sim mudar a vida, como diriam os fundadores de Valparaíso.

Como em todas as linguagens, a arquitectónica só poderá inscrever-se no tecido social quando adquirida desde muito cedo. John Berger, no seu livro basilar Ways of Seeing — baseado na série homónima da BBC — começa por referir: “Ver vem antes das palavras. Mesmo antes de saber falar, a criança olha e reconhece. Mas há outro sentido em que o ver vem antes das palavras. Trata-se do ver que estabelece o nosso lugar no mundo envolvente. Explicamos esse mundo recorrendo a palavras, mas estas nunca poderão apagar o facto de estarmos rodeados por ele. A relação entre o que vemos e o que conhecemos nunca está estabelecida de uma vez por todas” 12.

 A relação entre corpo e espaço é, sempre, primeira. O ver “que estabelece o nosso lugar no mundo”, como refere Berger, está, antes de tudo, dotado de uma consciência de corpo, aquela que nos permite relacionar com as coisas em nosso redor e estabelecer diferentes relações e afectividades. Curiosamente, a criança começa por interpretar estas relações, antes da aprendizagem de quaisquer outras linguagens — como a linguagem escrita, a fala estruturada ou a linguagem matemática —, através do desenho. No entanto, nos seguintes estágios de educação, regulados e instituídos, esta capacidade - que advém, como referimos, da consciência do corpo que nos localiza no mundo e entre as coisas (é uma extensão física desta) — acaba por desaparecer. O que é que aconteceria se o modelo de educação em arquitectura, que temos procurado definir no presente texto, pudesse ser aplicado desde o início da aprendizagem da criança? 

Nos anos 1970, o arquitecto Riccardo Dalisi trabalhou com um conjunto de crianças de um quarteirão empobrecido (o Traiano Quartiere) de Nápoles, a quem ensinou princípios estruturais de modelação do espaço (idênticos aos ensinados e desenvolvidos por Buckminster Fuller e Frei Otto) através da utilização de papel e reutilização de materiais, criando estruturas dinâmicas, experimentais e divertidas, que convidavam ao jogo e à exploração, por contraste aos modelos estanques e fechados do sistema habitacional (que, geralmente, nega e reprova este tipo de apropriação). Segundo Mary Louise Lobsinger, “Este trabalho oferece o que pode ser considerada uma abordagem mais modesta à ideia de modificação de uso, enquadrada como uma prática politicamente motivada e uma estratégia criativa com um objectivo social específico” 13. Andrea Branzi (do colectivo Archizoom Associati) apelidou esta investida de Dalisi de “guerrilha”, referindo que as suas experiências eram uma evidência de uma “criatividade colectiva liberada” 14. E como Lobsinger conclui: “Era uma prática que se focava em actos específicos sobre resultados futuros, privilegiando, por conseguinte, a participação dos intervenientes em vez da fabricação de artefactos utilitários. Imaginou-se que as actividades, que gerassem modificações no uso, poderiam incitar linhas de fuga imprevisíveis em pensamentos e acções entre as crianças e os habitantes do gueto. De forma equivalente, a abordagem participativa de ‘pôr as mãos à obra’ foi considerada um desafio às condições normativas da prática e à designação disciplinar do espaço antes do uso” 15 .

As experiências de Dalisi ao nível da aprendizagem das crianças, combinando a imaginação de apropriações distintas dos usos preconcebidos, a prática experimental e o contacto directo com as matérias, por si próprias infinitamente maleáveis, investiu-as de uma potência criadora, que permitiu activar novas relações com a comunidade e com os poderes instituídos como, por exemplo, com os de uma determinada política de habitação e apropriação do espaço público, ou mesmo com a própria prática da arquitectura. Estas experiências, como Lobsinger refere, podem lançar importantes linhas de fuga no pensamento e nas acções das crianças e das respectivas comunidades. 

Curiosamente, no contexto português, a artista Elvira Leite 16, insatisfeita com a extinção, em 1976, do programa SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local) — o qual, pela primeira vez na história social, política, cultural e arquitectónica, desejando cumprir a recente aprovada Constituição Portuguesa sobre o direito basilar à habitação condigna, havia instaurado um processo colaborativo entre arquitectos e populações (maioritariamente de bairros de lata insalubres), promovendo um diálogo aberto sobre as necessidades e as aspirações das famílias — criou um projecto de actividades artísticas com as crianças do bairro Pena Ventosa, do Porto. À semelhança das actividades desenvolvidas por Dalisi, também no Porto, durante o ano de 1977, as crianças, sob a orientação pedagógica de Elvira Leite de metodologias experimentais, ocuparam o espaço público da cidade, apropriando-o e recriando-o, numa tomada de consciência social, política e cultural, que pressupõe uma compreensão inata da criança da capacidade criativa inerente ao acto estético como modelo de enunciação colectiva. O carácter vanguardista deste projecto de Leite, que a própria foi documentando em fotografia, ainda hoje suscita surpresa, tendo inaugurado recentemente na Mishkin Gallery, em Nova Iorque, a exposição Pedagogy of the Streets: Porto 1977 (com curadoria de Lúcia Matos e Susana Lourenço Marques) 17 com a colecção fotográfica da artista à qual se contrapõe o arquivo fotográfico de Alexandre Alves Costa do SAAL, num diálogo que podemos considerar como um futuro silenciado, em que os desenhos das crianças, de um lado, e a participação e o envolvimento das comunidades no desenho das suas casas (e, por conseguinte, na transformação profunda das suas vidas), do outro, poderiam coexistir como expressões de uma potência intrínseca ao quotidiano (e não só à arquitectura).

Não se trata de educar a criança para esta reconhecer, distinguir e emitir juízos de valor sobre obras de arquitectura e espaços de qualidade, ou mesmo desenvolver exercícios de experimentação espacial confinados temporal e espacialmente (como sucede em workshops de arquitectura orientados para crianças). Pelo contrário, trata-se de estimular a experimentação sobre o espaço objectivo real, reivindicando que existe uma continuidade na aprendizagem da criança com base nas linguagens corporal e espacial, que lhe são inatas, e criando ligações com as comunidades onde se inserem (nomeadamente, através do saber fazer e do contacto directo com as matérias e as tecnologias). Ocupar o espaço público com experiências estéticas ou arquitectónicas ou reivindicar modelos espaciais de organização espacial e cívica deveriam ser tanto actos poéticos, como políticos, duas faces de uma única arquitectura. No presente, este modelo de educação é senão uma visão utópica — para muitos, a aprendizagem dos outros tipos de linguagem serão sempre mais relevantes — mas suspeitamos que, alterando o modelo de educação, inscrevendo as actividades espaciais experimentais desde raiz na aprendizagem da criança, a arquitectura poderia, por fim, integrar-se no seio da comunidade e cumprir o seu desígnio político, do qual não existe a separação de uma política cultural (que se veria, assim, extinta). ◊