OPINIÃO

A formação dos Arquitectos Urbanistas Desafios num mundo em mudança

Por Francisco Serdoura* e Paulo Silva**

Arquitectos urbanistas, Membros da comissão executiva do Colégio de Arquitectos Urbanistas (OA)
*docente Universidade de Lisboa
**docente Universidade de Aveiro

 

 

Esta reflexão pretende contribuir para o início de um debate, alargado a académicos e profissionais, sobre que ensino se deve promover nas universidades portuguesas para formar arquitectos urbanistas, tendo em conta os desafios ambientais, económicos, infra-estruturais, sociais, territoriais e de governação, que a cidade enfrenta.

Sem dúvida que a relação entre formação e prática profissional em qualquer área de conhecimento é sempre crítica, sendo que no domínio do urbanismo ela é ainda mais complexa. Num mundo em mudança, o arquitecto urbanista tem de ser um profissional imbuído de um conhecimento multidisciplinar, suportado por um corpo teórico sólido, sedimentado por metodologias próprias e legislação específica.

A formação dos arquitectos urbanistas deve explorar esse cenário de complexidade e de múltiplas perspectivas, por vezes contraditórias. Em paralelo, deve fomentar a formação contínua, de elevado valor técnico e prático, capaz de “propagar” soluções pragmáticas e visionárias para os problemas da cidade. Deve-se esperar que o arquitecto urbanista seja não só um profissional criativo mas, também, muito qualificado. Espera-se que a formação, teórica e prática, reflicta mudanças práticas na estrutura de ensino das universidades. Elas devem emergir de uma discussão alargada e sem preconceitos, entre a academia e as ordens profissionais, sobre os métodos de ensino e as competências a adquirir, teóricas e práticas, por esses profissionais.

Desse ponto de vista, a agenda sobre a formação do arquitecto urbanista deverá produzir uma explosão de novas abordagens e iniciativas pedagógicas, ao longo de todo o seu percurso académico, fazendo com que o ensino das melhores práticas seja aberto, onde predomine a evolução, mesmo que essas iniciativas formativas sejam vistas como contraditórias às desenvolvidas na prática profissional. Será necessário permitir e encorajar os formandos a desenvolver um raciocínio divergente, que os leve a construir uma multiplicidade de respostas/soluções para o mesmo problema. Colocar questões/dúvidas faz surgir uma vontade de desafiar, explorar e resolver contrariedades, sempre dentro de uma perspectiva multidisciplinar com vista a se alcançar um melhor habitar da cidade e um mais qualificado ordenamento do território.

É crucial que as novas abordagens ao ensino do urbanismo, nas escolas de arquitectura em Portugal, promovam mudanças como aquelas que decorreram da discussão do relatório Boyer-Mitgang (1996), nos EUA, que promoveu a reestruturação do ensino de arquitectura, fortalecendo o seu relacionamento com outras áreas profissionais. Passado o tempo de “explosão” e de “congelamento” de licenciaturas em arquitectura e planeamento/urbanismo, em Portugal, como aconteceu na década de 1990 e na primeira década deste século, deve-se abrir a discussão sobre como combinar a formação dos arquitectos urbanistas com a prática profissional, explorando parcerias entre a academia/universidade e empresas/organismos públicos que actuam sobre a cidade e o território.

Se, por um lado, essas parcerias podem possibilitar a captação de outras fontes de financiamento para as universidades, por outro lado, devem servir como laboratórios práticos onde os alunos podem explorar a criatividade em ambiente acompanhado, pondo em prática novos conceitos, novas abordagens, em resposta aos desafios e às exigências à utilização da cidade. Neste contexto, educadores ligados ao planear, ao projectar, ao gerir e ao implementar o ambiente construído, devem desenvolver novas práticas pedagógicas, capazes de estimular o intercâmbio de conhecimento e de inovação com outras áreas de conhecimento, como as ciências ambientais, as ciências económicas, as ciências sociais, as ciências das tecnologias, etc.

Ao mesmo tempo, os organismos públicos (centrais, regionais e locais) e as empresas que actuam sobre a cidade e o território devem promover a requalificação e o refrescar dos seus quadros técnicos, quer integrando profissionais mais novos, quer estimulando a educação e a aprendizagem ao longo da vida para quadros seniores. Em áreas do conhecimento como o urbanismo, a actuação de profissionais especializados na qualificação da cidade é sempre uma vantagem competitiva para esses territórios.

Em síntese, a formação em urbanismo integrada no modelo licenciatura + especialização em arquitectura deve permitir aos formandos o contacto com os conteúdos próprios da área de urbanismo, sendo para isso necessário desenvolver novas práticas de ensino, preferencialmente diferenciadoras das ensinadas em arquitectura, capazes de gerar conhecimento técnico para intervir nos territórios em que habitamos, trabalhamos e relaxamos quotidianamente. Para que a especialização chegue a um número significativo de estudantes é necessário antes de mais que o contacto com as matérias próprias do urbanismo ocorra de forma eficaz ainda na licenciatura.

A qualificação especializada desses profissionais (arquitectos urbanistas), quando aplicada ao espaço da cidade e ao território, sob as mais variadas formas de intervenção, estimula maior interesse e exigência nos cidadãos sobre a qualidade do ambiente construído. Do ponto de vista das universidades, a aposta na formação especializada de pós-graduação em urbanismo deve reflectir a eficiência e a inovação educativa ministrada, mas também maiores garantias de emprego, maior retorno económico e maior reconhecimento profissional por parte da sociedade e dos restantes grupos profissionais ligados ao planeamento e à construção da cidade. ◊