EDITORIAL

Projecções de futuro: a Arquitectura por vir

Por Paula Melâneo e Inês Moreira

Questionemos como será o Futuro. Esta é a proposta da última edição do J—A concebida pela presente equipa editorial. Decidimos ouvir ideias e preocupações sobre o futuro. Duas perspectivas contrastantes surgiram nas primeiras respostas: por um lado, os cenários utópicos, sejam tecnológicos ou comunitários; por outro, a visão distópica e a projecção catastrófica da realidade contemporânea num futuro em que o ambiente é uma constante preocupação. Seriam melhores as projecções de futuro no passado? Será que é hoje possível antecipar e projectar um futuro? 
O J—A tem sido um instrumento fundamental para a cultura da arquitectura portuguesa, muito devendo a Manuel Graça Dias, falecido no final de Março. Assumindo por várias vezes a direcção da publicação, teve visões editoriais críticas e acções de transformação, sempre cultas e ecléticas. Começando numa breve homenagem a este nome maior da divulgação da arquitectura, convidámos Ana Vaz Milheiro, que o acompanhou de perto, para escrever sobre o trabalho no J—A. Relembramos também um projecto marcante do atelier Contemporânea, que Graça Dias fundou com Egas José Vieira, a proposta para a reconversão urbana dos antigos estaleiros da Lisnave em Almada, num dos projectos mais futuristas e radicais dos últimos 10 anos no nosso país e que ainda hoje nos projecta um imaginário arquitectónico de futuro.


O tema desta edição é próximo da criação hipotética de cenários, da projecção de futuros por vir, exercício tão familiar aos arquitectos e à ficção científica. As ideias oscilam entre o desejo de escape utópico e a iminência do apocalipse, sendo intercaladas pelos estudos de futuro, pela potencialidade da ficção e da evolução tecnológica na imaginação do espaço e das urbes. Mariana Pestana expõe uma selecção de objectos e visões de arquitectos e artistas que, com características mais catastróficas tendem, a estreitar o caminho até à extinção da espécie humana, a par de outras de índole mais propositiva que apontam no sentido de definir estratégias para travar essa previsão. Lucinda Correia lança o apelo “S.O.S. Arquitectura”, fazendo uma dura análise do contexto actual da arquitectura na sua relação sistémica com o globo e com a natureza, propondo uma atitude crítica e holística na intervenção projectual sobre o futuro. Apresentando os Futures Studies, Manuel Granja abre um campo de estudos especulativos que elabora sobre hipóteses: “E se?” A criação de cenários de futuro tem história e tradição próprias e os seus usos vão da indústria militar à tecnológica, da ecologia ao design, experimentando com variáveis e questões que desafiam as previsões ou a antecipação de factos. Lisbon Resort Hotel é um projecto distópico do colectivo Shifting Realities que, através da crítica às transformações actuais da cidade de Lisboa, parece situar-se entre uma realidade alternativa e um futuro próximo. Através de uma análise da banda desenhada, Carlos Machado e Moura, visita o retrofuturismo e a potencialidade da ficção científica — e cósmica — na imaginação de tecnologias, cidades e espaços futuros, bem como na influência que teria sobre a arquitectura europeia dessas mesmas décadas, os anos 1960 e 1970. Com humor, a narrativa visual de Pedro Figueiredo leva-nos a visitar uma cidade no distante ano de 2222, que nos traz algumas reminiscências do que outrora foi o Porto, os seus ambientes e política urbanística. A presente utilização das ferramentas digitais e tecnologias de realidades virtual e aumentada e também dos drones, abre novas possibilidades para a arquitectura num futuro próximo, é uma opinião de Paula Melâneo. O projecto artístico e especulativo intitulado Aeroceno, de Tomás Saraceno, surge numa crónica de Fabrícia Valente como exercício metafórico de um novo escape tecno-científico da Terra, um paradoxo possível no campo da arte, na tradição iniciada pelos futuristas. Terão todas as grandes questões disciplinares para o futuro sido já levantadas? A resposta pode ler-se em forma de “manifesto retroactivo”, um ensaio de Luís Santiago Baptista, a partir da recolha de excertos do que se propôs e defendeu, no passado, sobre a profissão e a disciplina da arquitectura, e que poderá permanecer válido para o debate futuro. No ano do centenário da Bauhaus e de celebração das suas obras e influências arquitectónicas, artísticas e industriais no mundo moderno e contemporâneo, Inês Moreira visita o paradigma espacial moderno de white-cube que dominou a espacialidade deste período de um século, para identificar uma viragem em curso: os brown rooms/grey halls. Abordando ferramentas pragmáticas de preparação para a profissão e para a relação com o mundo de trabalho, Fátima São Simão apresenta o pólo cultural de indústrias criativas da Universidade do Porto, o UPTEC, e o modo como tem incubado novos escritórios de arquitectos portuenses e germinado novas redes de trabalho, nomeadamente com engenheiros, fotógrafos, videastas e outros produtores de conteúdos. Olhando a momentos radicais de experimentação da relação entre educação em/para a arquitectura e a sociedade, ocorridos no passado, o ensaio de Susana Ventura sugere que a política cultural futura para a arquitectura poderia vir a tornar-se desnecessária quando a educação se disseminasse pela sociedade. Lançando uma crítica na perspectiva tecnológica da educação académica em Portugal, José Nuno Beirão questiona a adequação na preparação para as inevitabilidades da profissão num futuro demasiado próximo, em que o digital, a programação e as redes serão omnipresentes. Uma pesquisa Google em diferentes línguas, proposta de Pedro Bandeira, dá-nos uma visão do que pode ser um Futuro Genérico, segundo algoritmos que filtram as preferências mais abrangentes da população ligada à internet através daquele browser. O Colégio de Arquitectos Urbanistas voltou a propor-nos um contributo, este sobre a necessidade da formação do arquitecto urbanista numa actualidade que se prepara para o futuro.


Estávamos no Verão de 2015 quando respondemos ao concurso para selecção da equipa do J—A. Agora, quase quatro anos passados e com sete números publicados — inicialmente em suporte digital e depois em papel — agradecemos a todos os que contribuíram para as várias edições, com o seu conhecimento, opiniões e críticas sobre a arquitectura ou outras áreas que cruzam o seu universo. Foi um privilégio contribuir para a continuidade desta revista e para o seu legado — é de facto notável poder acrescentar edições impressas a esta colecção que se estende desde 1981. Aguardamos pelas edições futuras. ◊