ENSAIO

Regresso ao Futuro

a BD, a ficção científica e as aspirações da arquitectura

Por Carlos Machado e Moura

Arquitecto, Doutorando (FA-UP)

 

“Megalopolis” de Closer Than We Think (The Chicago Tribune, 11/10/1959), uma das muitas tiras a prefigurar um crescimento urbano
com edifícios aerodinâmicos, estradas sobrelevadas e enormes cúpulas de vidro.
© Newspapers.com
“Megalopolis” de Closer Than We Think (The Chicago Tribune, 11/10/1959), uma das muitas tiras a prefigurar um crescimento urbano
com edifícios aerodinâmicos, estradas sobrelevadas e enormes cúpulas de vidro.
© Newspapers.com

 

 

A banda desenhada (BD) está intimamente relacionada com a história das prefigurações do futuro, para além de ser um meio de comunicação extraordinariamente rico, combinando imagem e texto numa estrutura narrativa sequencial com dispositivos gráficos e conotados próprios. Ao longo de um século e meio, com a ilustração e mais tarde o cinema 1 produziu imaginários urbanos e arquitectónicos, um enorme catálogo de metrópoles, dispositivos fantásticos, universos paralelos e mundos extraterrestres que alimentaram (e se alimentaram das) imagens com que arquitectos, engenheiros e designers foram imaginando e projectando o futuro.

Antes de irromper proeminentemente na arquitectura com os Archigram — com um discurso voltado para a disciplina —, a BD foi utilizada para prefigurar e divulgar junto de um público alargado, através da imprensa, ideias futuristas sobre a cidade, a arquitectura e a tecnologia, por vezes com objectivos concretos. É o caso de duas séries que começaram a ser regularmente publicadas nos suplementos de domingo (sunday comics) de vários jornais dos EUA e Canadá em 1958, Closer Than We Think e Our New Age. A primeira, obra do ilustrador futurista e imagineer de Detroit, Arthur C. Radebaugh, foi publicada até 1963. A segunda, de Athelstan Spilhaus, Reitor do Instituto de Tecnologia da Universidade de Minnesota, e ilustrada por vários artistas, foi publicada durante 16 anos, até 1975, estando na base do projecto duma cidade experimental (1966-1973). Não sendo BD propriamente ditas — não contam uma história, antes apropriam-se de uma estrutura gráfica e narrativa para veicular informação —, estas séries revelam-nos ideias de um possível futuro imaginado há 50 anos, com grande tecnofilia 2.

Da ilustração à BD, do entusiasmo com o progresso ao fascínio da tecnologia

Na viragem para o século XX, o fascínio com os arranha-céus, a vida moderna e o crescimento da metrópole americana tinham levado a imprensa a especular sobre o futuro, ensaiando visões hiper-urbanas com transportes aéreos 3 e perspectivas verticais de cidades sem chão 4, que rapidamente encontraram paralelo na BD, com Little Nemo in Slumberland (1905) ou The Explorigator (1908). A irrupção da modernidade e a interrogação pelo futuro e pelo progresso ainda por vir prolongaram-se entre Guerras 5, fazendo eclodir a ficção científica, com a emergência de revistas pulp específicas como Amazing Stories (1926) e a popularidade das séries de BD dedicadas ao género, como Buck Rogers (1928) ou Flash Gordon (1934), que começava então a ser explorado no cinema 6.

Se nos anos 1930 o tema é o progresso, em 1950 a atenção foca-se na tecnologia. A Segunda Guerra Mundial trouxe um enorme avanço tecnológico, não apenas militar mas acessível a toda a sociedade, com uma revolução na indústria, nos materiais, na medicina e na informática: a prosperidade americana era tecnológica. Virando a página à escassez e às dificuldades da Guerra, abundavam na imprensa anúncios publicitários — alimentando uma nova utopia doméstica com design aerodinâmico e futurista, produtos de consumo e inovadores equipamentos electrónicos — e, ao domingo, tiras de BD que todos liam, miúdos e graúdos, como uma verdadeira tradição familiar. O sonho americano chegava também à Europa como promessa, celebrada pelo Independent Group, para quem “a cultura viva [...] estava em revistas pulp americanas, coisas como Mechanix Illustrated e bandas desenhadas” 7. Enquanto isso, o programa de exploração espacial tornava-se presença constante nas notícias, filmes, brinquedos e no imaginário quotidiano, marcando a nova “Idade de Ouro do Futurismo”.

Alguns editores decidem então unir educação e entretenimento para satisfazer um público interessado em ciência e tecnologia. Closer Than We Think e Our New Age são disso exemplo, bem como resultado do contexto da Guerra Fria já que, em Outubro de 1957, a União Soviética lança o Sputnik, o primeiro satélite artificial, abrindo a porta à corrida espacial entre as duas superpotências. Closer Than We Think estreia imediatamente depois, em Janeiro de 1958, justamente com uma Satellite Space Station. Our New Age surge em Setembro. Através da popularidade da BD, os EUA interessavam os mais jovens pela conquista espacial, respondendo à URSS com uma visão aspiracional e tecnologicamente optimista do futuro da América. 

O mesmo sucedia na animação onde, graças ao potencial persuasivo das suas técnicas de storytelling visual e entretenimento, a Disney foi contratada, durante a Guerra, para produzir filmes de propaganda 8 e, depois, animações com uma vertente educacional. Em 1954, para financiar a construção do seu primeiro parque temático, na Califórnia 9, a Disney alargou esta oferta à televisão com a série Walt Disney’s Disneyland  10, que incluía seis episódios temáticos sobre o desenvolvimento tecnológico 11: de Man in Space (1955) a Magic Highway USA (1958). Em 1949 as animações de Tex Avery e Chuck Jones já aludiam ao futuro 12; porém, é nos minutos finais de Magic Highway USA que encontramos um “olhar realista do caminho a seguir”. O filme apresenta inúmeras ideias sobre as auto-estradas e os veículos de amanhã — autónomos, anfíbios, levitantes —, e ainda as suas implicações na forma das cidades (semelhantes à Ville Radieuse), da casa do futuro (idêntica à construída pela Monsanto na Disneyland), dos escritórios, dos centros comerciais, das redes de logística. Muitas destas ideias, Walt Disney imaginava, em 1966, colocar em prática na Flórida, no Experimental Prototype Community of Tomorrow (EPCOT), um projecto de uma comunidade que serviria de teste a inovadoras experiências de vida urbana 13.

 

Closer Than We Think, 

uma futuridade pop

“A agricultura do mundo de amanhã será tão mecanizada que as quintas assemelhar-se-ão a fábricas” — arranca assim a tira Factory Farms, em 1961. Mais do que as tiras dedicadas à exploração espacial, à colonização do espaço e dos oceanos ou a cenários de catástrofe, são surpreendentes as imagens de Closer Than We Think, sobre o quotidiano. Mostram-nos objectos e dispositivos semelhantes aos que hoje usamos e que pareceriam improváveis há 50 anos atrás. Em Electric Small Cars encontramos os automóveis eléctricos, em Robot driving cars, os veículos autónomos da Tesla, em Wrist watch TV, o Apple Watch, em Universal language boxes, as aplicações de tradução de voz, em Time Machine Camera, uma versão avançada do Google Street View, em Push button education e Every home a classroom, os cursos pela web como o Udacity, em Robot Warehouses, a Amazon, em Electronic Home Library, o Kindle, em Shopper hoppers e Rocket Mailmen, os sistema de entrega por drone da Amazon e da Google, em Robot housemaid, os Roomba e a Bimby, em Computer Navigation, os sistemas GPS, em One World Job Market, o LinkedIn, em The Visaphone, o Skype ou o FaceTime, em Family Computer (última da série), um computador ligado à Internet, e por aí adiante. Qualquer antiga previsão do futuro permite a cada um nela ver o que quiser, é certo. Porém, muitas das tecnologias enunciadas nestas BD começaram a ser desenvolvidas apenas décadas mais tarde, como as próteses sintéticas, bancos de órgãos e técnicas de engenharia de tecidos de Rebuilding people (1960), que emergiram 30 anos depois. Na arquitectura acontece o mesmo: Rejuvenated Downtowns assemelha-se a muitos projectos de regeneração urbana; Megalopolis e Reclaiming the Desert ao Médio-Oriente recente; X-Way Cliff Dwellers parece antecipar as arquitecturas de Bjarke Ingels. Porém há referências directas: A-Frame River Villa, Paper Houses e Plastic Schoolhouses aludem directamente a novas técnicas construtivas e Motopia à homónima proposta de Geoffrey Jellicoe; as explorações de Buckminster Fuller estão implícitas em Your house under glass, Glassed-in Downtowns e Travelling Homes. A casa giratória Follow-the-sun house descende da Casa Girassole (1928); o Drive-up hotel readapta o Guggenheim de Frank Lloyd Wright e o parque de estacionamento de Skyscraper Park-o-Matics da solução automatizada de Westinghouse (1923) usada na 1933 World Fair em Chicago. Porém, talvez mais do que o resto, são especialmente interessante e produtivas as especulações sobre, por exemplo, as implicações da alteração da gravidade na arquitectura da habitação, como em Gravity in Reverse.

O seu autor, Arthur Radebaugh (1906-1974) 14, era um ilustrador comercial do sector automóvel que, durante a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu soluções inovadoras de tecnologia militar para o Pentágono. Predominantemente realizado a aerógrafo, o seu desenho era dinâmico, abstracto, densamente colorido com azuis, laranjas e vermelhos, numa atmosfera gráfica marcadamente art déco. As referências do quotidiano e o futuro tornaram-se presença constante nas ilustrações, com arranha-céus, veículos e edifícios aerodinâmicos, alusões à conquista espacial e, por vezes, robôs com aparência extraterrestre. Eram imagens de um visionário, em sintonia com um público mais do que nunca interessado em utopia tecnológica. Mas a mudança de paradigma de ilustração publicitária nos anos 1950 obrigou-o a reorientar a carreira. O aerógrafo e o stencil foram preteridos face à aguarela, a fotografia a cores foi-se impondo nas revistas, usurpando o lugar da ilustração, enquanto a televisão absorvia cada vez mais orçamento de publicidade. Radebaugh lança então séries ilustradas dedicadas ao futuro para a imprensa. Primeiro, a coluna semanal Can You Imagine para a General Features Corporation, publicada em vários jornais em 1947-1949, com uma ilustração monocromática e um pequeno texto sobre a evolução das cidades ou da tecnologia, ao estilo da série Ripley’s Believe it or not! (1918). Depois, ilustra Wonders of the Universe (1952), sobre exploração espacial, até que, em 1957, muda de registo e propõe ao Chicago Tribune, uma importante agência de imprensa, uma BD sobre o futuro. Closer Than We Think estreia em Janeiro de 1958, nos suplementos de domingo de mais de 100 jornais norte-americanos e canadianos, chegando aos 19 milhões de leitores. As tiras são compostas por breves parágrafos e uma única vinheta detalhadamente ilustrada, com setas evidenciando pontos de interesse. Face às anteriores, o registo gráfico aligeira-se e torna-se menos rígido, dramático e realista, ganha outra palete cromática, pessoas sorridentes e uma clara vontade de entretenimento. A técnica também se altera pois a velocidade das prensas a cores usadas nestes suplementos não permitia reproduzir o trabalho de aerógrafo, tendo Radebaugh de adoptar tramas e sombreamentos alternativos (nem sempre com bons resultados) para procurar a profundidade dos desenhos em papel couché 15.

Radebaugh nunca trabalhou em publicações de ficção científica ou revistas pulp, ficando fora do círculo de autores do género — contrariamente a autores como Frank Paul, com semelhante registo gráfico — e a irrupção na BD também não o aproximou do circuito dos “cartoonistas”, ficando mais ligado à ilustração publicitária e ao sector automóvel. Com efeito, Closer Than We Think não é uma história, antes uma plataforma ilustrada para oferecer previsões do futuro e possíveis extrapolações da investigação científica em curso. De sua autoria, os textos referenciam por vezes ideias de determinados cientistas, engenheiros, publicações ou notícias; outras vezes, as próprias ideias de Radebaugh. É uma obra, segundo o próprio, “a meio caminho entre a ficção científica e o design para a vida moderna”. Ilustrador-engenheiro, Radebaugh acompanhava a evolução da tecnologia, e os seus conhecimentos em design automóvel permitiam-lhe prefigurar os passos seguintes. Ao extrapolar tendências em curso e cruzar aplicações de diferentes domínios, muitas das suas visões e aplicações práticas tornaram-se realidade no desenvolvimento de produto. Com efeito, em vez de fazer previsões a longo prazo ou conceber realidades paralelas, como as revistas pulp, Radebaugh projectava produtos de consumo futuristas, talvez influência do trabalho de ilustrador comercial. A sua perspectiva é uma tecno-utopia optimista, com veículos voadores e tecnologia na ponta dos dedos, para transmitir a miúdos (e graúdos) as possibilidades ilimitadas do futuro na realidade brilhante dos anos 1950: precisamente a visão que, em 1962, o desenho animado The Jetsons 16 veio parodiar.

Em Janeiro de 1963, com o fim de Closer Than We Think, Radebaugh lança Jet Swift and His Science Stamps, uma BD para crianças com vinhetas em forma de selos. Já não se foca na ficção científica, antes oferece lições sobre o passado, o presente e o futuro da ciência, à imagem de Our New Age. Meses depois, este trabalho foi interrompido por problemas de saúde e acabou por cair no esquecimento 17. Recuperou reconhecimento público graças a uma exposição dedicada a Closer Than We Think em 2003 18.

 

Our New Age, uma BD 

que se transformou em cidade

“A única ciência que aprendi foi da sua banda desenhada no Boston Globe”, terá dito o presidente John F. Kennedy a Athelstan Spilhaus, quando o nomeou comissário da Exposição Mundial de Seattle em 1962, precisamente dedicada ao futuro. Spilhaus (1911-1998), Professor e Reitor do Instituto de Tecnologia da Universidade de Minnesota, era também oceanógrafo, cientista, meteorologista, cartógrafo, urbanista, geofísico, engenheiro mecânico, especialista em brinquedos, embaixador na Unesco e inventor de vários dispositivos, incluindo o balão meteorológico que originou o “caso Roswell”. Criou a BD Our New Age — ilustrada por Earl Cros, pseudónimo de Carl Rose (1958-1961), F. C. Felton (1961-1962) e Gene Fawcette (1962-1975) — para levar ao público “os excitantes factos científicos que darão forma ao mundo de amanhã”. Estreou na sequência do Sputnik, em 1958, recorda Spilhaus, “porque me perturbava o facto de os miúdos saberem tão pouco de ciência. Em vez de dissuadir os meus filhos de ler BD, uma coisa estúpida para fazer, decidi colocar algo de bom na BD, algo que fosse mais divertido e que pudesse dar um pouco de educação subliminar” 19. Cada prancha, geralmente num formato horizontal e num grafismo que evolui de um humorismo para um realismo genérico 20 narra em várias tiras uma abordagem acessível sobre o passado e presente de um determinado princípio ou conquista científica, deixando uma perspectiva entusiasmante sobre o que a ciência moderna poderá reservar. Publicada semanalmente pelo Hall Syndicate em 102 jornais norte-americanos e 19 internacionais até 1975, teve enorme sucesso e inúmeras seguidoras, como Our Space Age de Otto Binder, ilustrada por Carl Pfeuer e distribuída entre 1960 e 1969. Aos académicos que consideravam pouco dignificante um académico distinto fazer BD 21 Spilhaus respondia: “Quantos de vós têm uma plateia de cinco milhões todos os domingos de manhã?” Mas Our New Age não é apenas sobre futuro. Trata a ciência e tecnologia de forma abrangente, prospectiva e optimista, com a certeza de que resolverão os problemas da humanidade. Sem a componente de diversão e entretenimento de Closer Than We Think, que é mais ousada nas formulações e no grafismo, Our New Age é mais contida, rigorosa e educativa. Muitas “previsões” são certeiras, desde os problemas climáticos descritos na primeira prancha, àquelas que exploram a evolução da informática e da Internet — apesar de Spilhaus esperar que, hoje, já conseguíssemos ligar directamente o nosso cérebro aos computadores. 

Em 1966, no mesmo ano em que Walt Disney apresenta o projecto EPCOT, uma tira anuncia: “Temos de construir uma cidade experimental para testar estas e futuras ideias. Isso economizará o seu custo muitas vezes, servindo de modelo a partir do qual planear as cidades no mundo do futuro!!22 Spilhaus lançava assim o projecto da Minnesota Experimental City (MXC), diferente das “satélites de outras cidades, como algumas New Town em Inglaterra [...], nem uma utopia instantânea [...] nem como as cidades monofuncionais de Chandigardh, Brasília, Washinghton D.C. [...]” 23

Não seria uma cidade perfeita imutável, antes uma experiência científica de permanente mudança, uma cidade futurista capaz de responder a novos problemas e que testasse as ideias exploradas em Our New Age: gestão urbana, construção, transportes, comunicação, gestão de resíduos, etc. Coordenada conjuntamente com Otto Silha, director da Minneapolis Star & Tribune Company, e um comité de gestão que incluía arquitectos, engenheiros da NASA, activistas comunitários, Richard Buckminster Fuller e o Vice-presidente Hubert Humphrey (ex-Mayor de Minneapolis), a MXC rapidamente alcançou apoios do Governo Federal e do Estado e financiamentos de 248 mil dólares para planeamento preliminar. Foi pensada como um protótipo de 250 000 habitantes, 22 000 hectares, um prazo de construção de 10 anos (1974-1984) e um custo de 10 mil milhões de dólares, 80% privados e 20% públicos. A cidade teria um sistema de transporte com veículos autónomos em carris sem emissões, um controlo da poluição e a reciclabilidade total dos resíduos (em contraciclo com a visão da América dos anos 1960), computadores em cada habitação ligados a uma proto-Internet e uma central nuclear ao centro. Tudo coberto por uma enorme cúpula geodésica de Fuller, o aspecto arquitectónico mais relevante já que, apesar dos esquemas de megaestruturas tensionadas e habitações prefabricadas, não chegou a existir um layout completo. Spilhaus resignou em 1968 mas continuou a apoiar o projecto. Porém, a mudança de clima político ditou o seu fracasso. Nixon retirou o apoio do Estado e, apesar das preocupações ambientais do projecto, quando foi escolhido o local, uma das áreas pantanosas mais pobres de Aitkin County, as associações ambientalistas e a população local opuseram-se à central nuclear e à transformação, vendo a MCX como uma enorme operação imobiliária e um ataque ao ambiente. Os protestos chegaram à capital pedindo o encerramento do projecto, o que acabou por acontecer em 1973. Spilhaus abandonou Our New Age em 1974, que continuou a ser publicado até ao ano seguinte.

 

Nota final

Apesar do fracasso da Minnesota Experimental City, há hoje muitos projectos que se lhe assemelham. Cidades continuam a ser feitas de raiz — da nova capital do Egipto a Songdo na Coreia do Sul, da cidade económica do rei Abdullah na Arábia Saudita à inacabada Lavasa na Índia — e muitas smart e eco cities combinam princípios verdes com a experimentação tecnológica — da Masdar City de Abu Dhabi à comunidade Sidewalk Toronto da Alphabet/Google, ou ao tão próximo e abandonado projecto PlanIT Valley, a Silicon Valley de Paredes, destinado a tornar-se um “laboratório vivo de sustentabilidade”. O sonho de Spilhaus está longe de se cingir a um breve período entre a conquista espacial e a crise energética.

Mas a questão que aqui queremos colocar é a da influência destas BD e desenhos de animação na configuração do futuro. Em 1958, no ano em que foram lançadas Closer Than We Think, Our New Age e Magic Highway USA, Jacques Tati realizou Mon Oncle, parodiando o excessivo positivismo da arquitectura e da tecnologia modernas. Pouco depois, The Jetsons veio também satirizar esta “Idade de Ouro do Futurismo”. Seja através da apologia ou da paródia, não é fácil determinar as implicações, até porque um eventual impacto de um desenho de uma BD ou da imagem de um filme não se repercute forçosamente através da forma. Procurar relações directas com a realidade seria falhar o ponto quanto ao papel que desempenharam. Todas estas imagens, algumas de grande alcance, estão relacionadas na medida em que constituem futuros aspiracionais. Mesmo os artistas que desapareceram na obscuridade deixaram inspirações que se permearam na nossa visão do mundo, configurando imagens partilhadas do futuro. Essas imagens tiveram forçosamente que preexistir para que pudéssemos transformar a arquitectura, os objectos ou a tecnologia de uma determinada forma 24 Como afirma Tim Cook, CEO da Apple, numa entrevista: “Via os Jetsons em miúdo, adorava os Jetsons. Hoje estamos a viver os Jetsons com isto [levanta um iPhone]” 25.

O limite entre a especulação científica e a ficção é difuso e cada invenção é algo irreal até uma mudança a tornar possível. Por isso talvez ainda valha a pena interrogarmo-nos, como o faziam estas séries: o que acontecerá à arquitectura quando o teletransporte for uma realidade? ◊