ENTREVISTA

Conversa com
Nuno Sampaio

Por Paula Melâneo e Inês Moreira
Arquitecta e Editora
Arquitecta, curadora, investigadora pós-doutoramento (IHA-UNL)

Após a recente abertura da Casa da Arquitectura em Novembro de 2017, conversámos com Nuno Sampaio, o seu Director executivo, para conhecer os planos para o ano de 2018, bem como as estratégias de trabalho futuro da nova instituição.


 

Num momento de festa e celebração da Casa da Arquitectura (CdA), quais os destaques da programação delineada para o ano de 2018?

Em 2018 teremos três exposições estruturantes da nossa programação e mais cinco exposições de menor dimensão na Galeria da Casa, sendo que todas elas terão programas de actividades associados. 

 

A programação inaugural conta com a exposição ainda patente, Poder Arquitectura, com curadoria de Jorge Carvalho, Pedro Bandeira e Ricardo Carvalho, e o programa paralelo Please Share, uma curadoria de Roberto Cremascoli, que inclui um ciclo de debates e um seminário que cruza diferentes olhares disciplinares sobre a relação da arquitectura com outras áreas do conhecimento e com os distintos "poderes" representados na exposição.

 

Em Abril, abrirá a exposição Os Universalistas, sobre 50 anos de arquitetura portuguesa (1960-2016) que esteve patente em Paris, na Cité de l’Architecture et du Patrimoine, em co-organização com a Fundação Calouste Gulbenkian e comissariada por Nuno Grande, apresentada pela primeira vez em Portugal na CdA.

 

A exposição sobre 90 anos de arquitectura brasileira que inaugura em Setembro terá um grande destaque na CdA e uma capacidade de atracção do grande público. Com curadoria de Fernando Serapião e Guilherme Wisnik, será a primeira exposição sobre o acervo da CdA, neste caso sobre a colecção Da Modernidade à Contemporaneidade, que retrata 90 projectos de 1928 a 2018. Esta exposição será acompanhada de um amplo e transversal programa de actividades que cruza arquitectura, música, cinema, literatura e artes performativas, e que decorrerá em Portugal e no Brasil.

 

Na Galeria da Casa destaco, entre outras, duas exposições: em Fevereiro, A Casa da Democracia: Entre Espaço e Poder, onde a curadora Susana Ventura propõe estabelecer relações entre espaço e poder, de como distintos regimes políticos utilizaram e se apropriaram dos diversos edifícios da Assembleia da República; em Junho, no âmbito da comemoração dos 90 anos do arquitecto Paulo Mendes da Rocha, mostraremos ao público uma exposição de Michelle Gin de Castro intitulada Habitar Mendes da Rocha, uma visão de 20 casas do arquitecto brasileiro do fotógrafo Leonardo Finotti.

 

 

© Ivo Tavares Studio
© Ivo Tavares Studio

Tem havido grande adesão do público geral, qual a principal mensagem que a CdA quer fazer passar aos não-arquitectos?​

A CdA pretende levar a arquitectura para além do limite da profissão, ou seja, levar a arquitectura ao grande público. O trabalho da CdA faz-se com os arquitectos, desenvolvendo reflexão disciplinar, mas pretende fazer chegar essa reflexão à população e também pôr em diálogo os arquitectos com outras áreas profissionais e ambos com o público. Esta é a mensagem e temos conseguido passá-la bem. É importante que a sociedade conheça a arquitectura e entenda os arquitectos e a importância do seu trabalho na valorização quotidiana da vida de cada indivíduo e do seu espaço de trabalho, de habitar ou de lazer… na capacidade que a arquitectura tem de criar felicidade através da construção de espaços qualificados. O trabalho da CdA é levar a arquitectura a todos, com os arquitectos.

 

Que estratégias se podem prever para a internacionalização da arquitectura portuguesa através da CdA?

O contributo que a CdA pode dar para a internacionalização da arquitectura portuguesa é ajudar à divulgação, nacional e internacional, do melhor da produção arquitectónica portuguesa através de boas exposições e representações do país e dos seus profissionais lá fora. Não cabe à CdA, nem a nenhum outro museu ou centro de arquitectura, fazer a venda do serviço de arquitectura… não tenhamos ilusões nem falsas expectativas, não é esse o papel dessas instituições nem é assim que se faz exportação/internacionalização. Deveria haver, e seria bom que fosse rapidamente, uma estratégia nacional e colectiva para a arquitectura portuguesa. E a CdA pode, também, dar um contributo para a construção dessa estratégia.

 

A CdA — novo Centro Português de Arquitectura — está a fazer chegar a arquitectura, incluindo a portuguesa, a novos públicos, em distintas geografias e diferentes contextos. Irá aproximar esses novos públicos mostrando a experiência portuguesa no desenvolvimento de diversos programas, desde o desenho do espaço público, dos edifícios e das infra-estruturas. A CdA irá, ainda, levar profissionais a debater no âmbito dessas exposições e representações mostrando a experiência adquirida.

 

O Metro do Porto é disso um exemplo, um projecto colectivo onde o arquitecto “dominou” a infra-estrutura, que foi na altura o maior concurso da Europa em que de uma só vez se fizeram 70 quilómetros de linha de metro e se construiu cidade. Este é um exemplo de uma boa experiência feita pelos profissionais portugueses e a mostrar internacionalmente. Tudo começa por reunir os distintos elementos e projectos da colecção, tal como estamos a fazer, e que mais tarde dará uma boa exposição.

 

Ao levar uma exposição portuguesa a outros territórios está-se, desde logo, a mostrar internacionalmente o próprio desenho e a curadoria da exposição, que são em si um trabalho profissional. A curadoria e a investigação são campos que devem ser apoiados em Portugal e são oportunidades de novo trabalho, o que contribui directamente para a internacionalização. É importante criar e dar relevância internacional aos nossos curadores e críticos de arquitectura para que também haja arquitectos portugueses nas publicações e júris internacionais.

 

Existe ainda outro trabalho possível e desejável no apoio ao produto da nossa indústria, o mobiliário e desenho de objectos de arquitectos portugueses. Também aqui a CdA irá contribuir para a divulgação deste produto nacional de excelência e até mesmo promover a sua venda, quer na loja local como na loja digital. Os arquitectos portugueses destacam-se internacionalmente pela qualidade do desenho de mobiliário. Devemos promover esse desenho e sobretudo o produto desse desenho.

 

Está a ser constituída uma colecção de arquitectura brasileira, serão constituídas colecções, ou aquisições, de outros países?

Sim, existirão outras colecções. Para além de fazer o tratamento e arquivo de acervos individuais, a CdA define-se internacionalmente pela constituição de colecções colectivas, diversas e transversais, com curadoria, sobre determinados territórios num definido período de tempo.

Está já em preparação a primeira Colecção de Arquitectura Portuguesa, que terá em 2018 o período de contacto com os doadores e o inventário dos projectos seleccionados pelos curadores João Belo Rodeia, Graça Correia e Ricardo Carvalho. Existirão no futuro mais colecções, nacionais e de outros países, de trabalhos seleccionados pela CdA, sempre que houver disponibilidade para serem doados, e sempre que seja possível à CdA tratar e cuidar desses acervos. A CdA, pelo seu perfil, tem a ambição de juntar acervos e espólios internacionais na sua colecção.

 

A CdA pertence a uma rede de trabalho/pesquisa ou é completamente autónoma na sua actividade?​

A CdA é autónoma na sua gestão, mas naturalmente pretende trabalhar em rede, programando e executando actividades em parceria com entidades congéneres, inserindo-se num circuito internacional especializado para trocar e itinerar exposições, por exemplo, e promover a investigação e arquivo de colecções. Trocar experiências e trabalhar em equipa é sempre frutuoso e potenciador, apesar de em Portugal haver muita resistência em quase todos as áreas ao trabalho de equipa. Mas é possível e desejável o trabalho conjunto, sem perdas identitárias. Foi o que aconteceu com a CdA e a DGPC, que firmaram um acordo de grande e sincera vontade colaborativa em diversas áreas, o que foi, aliás, muito noticiado.

 

Quando começarão os trabalhos sobre os arquivos e a colecção? Após a recolha ​e catalogação​, o que será feito?

Está agora a investir-se em todo o material de tratamento arquivístico propriamente dito, as tecnologias, os scanners, etc., um processo de cerca de meio milhão de euros, que está já a ser instalado e que será concluído ainda no primeiro semestre de 2018. Chegarão brevemente à CdA as colecções já inventariadas para começarem a ser tratadas e digitalizadas e, paralela e simultaneamente, irão ser executados mais inventários de outras colecções. O objectivo é colocar as primeiras digitalizações online, disponíveis para consulta, no final de 2018. No entretanto, as actividades sobre estas colecções vão muitas vezes decorrer em simultâneo com o tratamento. Para a CdA é importante arquivar, conservando, mas é sobretudo fundamental podermos dar conhecimento público do que arquivamos, quer na plataforma online, quer em exposições, debates e publicações, construindo novas leituras e promovendo a investigação sobre as produções arquitectónicas objecto de arquivo.

 

Para além dos autores representados na colecção e no arquivo, como vai a C​dA envolver novos nomes e valores da arquitectura portuguesa?

Já estamos a fazer isso mesmo. É disso exemplo o seminário Out Side Job, realizado no ano passado sobre jovens arquitectos portugueses que saíram do país para integrar gabinetes no estrangeiro e se notabilizaram pelo trabalho aí desenvolvido. O próprio curador da iniciativa, Diogo Brito, é ainda um jovem arquitecto. É importante trazer jovens ao debate e levá-los a participar. 

 

Outro exemplo é o Open House, onde cruzamos na curadoria parelhas de diferentes gerações, mostrando também obras de jovens arquitectos e onde a própria organização, o seu voluntariado, é muito, muito, jovem.

 

Mas queremos ir ainda mais longe… queremos, num futuro próximo, fazer uma colecção de trabalhos oriunda de jovens profissionais talentosos, recolher projectos que sabemos que nunca serão construídos porque são experiências, utopias, provocações, concursos e que, de outra forma, nunca veriam a luz do dia. É importante manter a memória desses trabalhos até para investigação futura.

 

Os arquivos estão quase sempre associados a profissionais já muito experientes, muitos deles no final da carreira e outros que até já morreram. Mas não tem de ser sempre assim… Temos de apostar nos novos valores, e até em alguns que não são ainda reconhecidos. Tem custos associados, mas estamos disponíveis para arriscar!

 

Como vê o envolvimento da Casa com a academia e as escolas de arquitectura?

Voltamos aos jovens… têm de estar incluídos. Eles são os principais interessados! Se for bem-sucedida, a CdA terá ao longo de alguns anos de actividade contribuído para um melhor entendimento da arquitectura pela sociedade e classe política, que são os futuros gestores públicos do território, e futuros consumidores da arquitectura. O trabalho que estamos a fazer é para as gerações futuras. Assim sendo, tem de se trabalhar desde já com a academia e com as escolas de arquitectura.

 

A conservação do conhecimento só é útil se houver estudo, investigação e produção de novas ideias. Os arquivos abertos e acessíveis são fundamentais para permitir esse estudo, quer seja por professores, alunos ou investigadores. A CdA tem como primeira missão tratar, conservar e manter acessível o conhecimento, mas cabe às escolas e investigadores produzirem-no, bem como à inovação. Este é o primeiro envolvimento possível e desejável, criar conhecimento sobre os arquivos tratados.

 

O segundo envolvimento possível é um desafio. Mudar o paradigma da participação dos estudantes e jovens profissionais, deixarem de ser apenas agentes passivos e passarem a activos, não virem só ouvir mas trazerem propostas úteis ao debate. Aqui as escolas de arquitectura têm uma enorme responsabilidade para concretizar essa mudança. A CdA está aberta a receber propostas e a ajudar na construção de projectos e actividades participativos.

 

O terceiro envolvimento está na eventual ajuda e participação conjunta para tratar os arquivos que não estão ainda tratados nem disponíveis ao estudo público e que estão na posse das universidades, faculdades e escolas de arquitectura — é necessário dar acesso a esse material ao público e à própria academia. O esforço é grande e os recursos financeiros e humanos são sempre escassos. Mas primeiro e acima de tudo tem de haver vontade. Normalmente junto faz-se melhor e os arquivos  merecem-no.

 

Num momento em que os temas da inclusão e igualdade de género estão na ordem do dia, assunto ​também ​na área da arquitectura, qu​e contributo ​terá a CdA neste campo?

Acima de tudo, o que importa é que haja qualidade nas participações. Não me preocupa, num primeiro momento, saber qual o género, cor ou credo do autor do projecto, resume-se a saber se a arquitectura é boa ou não é. Distinguir géneros, raças, credos ou orientação sexual não me parece prioritário. Não faço distinções negativas e por isso também não faço distinções positivas! Tenho confiança que na selecção pela qualidade encontraremos a diversidade.

Nas universidades portuguesas temos hoje mais mulheres do que homens e na arquitectura temos já muitas profissionais a produzirem com qualidade. Na arquitectura o processo produtivo é mais lento do que noutras profissões. A edificação chega frequentemente a durar 8 a 10 anos, o que quer dizer que a notoriedade pública da obra, e consequentemente o reconhecimento dos seus autores, é bastante demorada. Teremos em breve mais mulheres do que homens a produzir arquitectura e naturalmente haverá, como já hoje se vê, muita qualidade.

Apenas a título de exemplo, na equipa da CdA temos 80% de mulheres, que não foram seleccionadas por questões de género mas por critérios de competência e qualidade. É-lhes devido o reconhecimento! O importante é haver oportunidade de participação. ◊